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A doutora Fiandri, abalada, anuncia, no hall central do hospital, às 19h05 local:
- Senhores, Senna está morto.
Creio ter sido o primeiro, ou um dos primeiros, a chegar no Hospital MaggioregloboesportepalmeirasBolonha, ao menos dentre os jornalistas que estavam no Autódromo Enzo e Dino Ferrari. Não cruzei com ninguém por longos minutos. O resultado da corrida tornara-se irrelevante diante do real estadogloboesportepalmeirassaúde, ainda desconhecido,globoesportepalmeirasSenna.
Não percebi nadagloboesportepalmeirasanormal no grande hall central do hospital, tudo parecia seu curso normalgloboesportepalmeirasum domingo à tarde. Haja vista que fui, sem controle algum, até os elevadores e pressionei o 11º andar, local da UnidadegloboesportepalmeirasTerapia Intensiva (UTI), identificadagloboesportepalmeirasum painel no térreo.
Fontes de referência
30 anos sem Ayrton Senna: uma homenagem ao ídologloboesportepalmeirasInterlagos
A única manifestação que vi nessa hora foi agloboesportepalmeirasum policial Carabinieri, próximo à principal portagloboesportepalmeirasentrada. Alguém havia acabadogloboesportepalmeiraslhe contar que Senna sofrera um acidente na corrida e o haviam transportado para o hospital. Tinha o chapéu na mão e dizia:
- Meu Deus, o que é isso, não existe mais piloto como Senna, que corre com o coração.
Confira os últimos capítulos da série Senna, 30 anos:
- Capítulo 4: contorcionismo dentro do carro da Williams e altas dosesgloboesportepalmeirasestresse
- Capítulo 5: acidente gravegloboesportepalmeirasRubinho causa apreensão
- Capítulo 6: mortegloboesportepalmeirasRatzenberger abala Ayrton
- Capítulo 7: tensão nas horas que antecederam o GPgloboesportepalmeirasÍmola
- Capítulo 8: o fatídico acidente era mais grave do que se imaginava
Enquanto subia até o 11º andar, me surpreendi pensando que não poderia falhar como jornalista, comprometeria o restante da minha carreira naquilo que tanto me dedicara para conseguir, ou seja, cobrir o MundialgloboesportepalmeirasF1 para a grande mídia brasileira. Cada vez que me lembrava disso ganhava força para deixargloboesportepalmeiraslado minhas emoções.
Pareigloboesportepalmeiraspensar também nas reações que estavam ocorrendo no Brasil por conta do acidentegloboesportepalmeirasSenna, o que colaborou para eu me controlar.
No Brasil, era domingogloboesportepalmeirasmanhã. Lembro-megloboesportepalmeiraster ligado – atenção,globoesportepalmeirasum telefone público, a cobrar - para os jornaisgloboesportepalmeirasque trabalhava, Estadão e Jornal da Tarde, além da Agência Estado, a fimgloboesportepalmeirasinformar ao chefegloboesportepalmeirasreportagem, CastilhogloboesportepalmeirasAndrade, que havia deixado o autódromo e já me encontrava no hospital.
Eu pensei comigo: se Senna morresse, todas as atenções estariam lá na Itália, ao menos até o embarque do corpo para o Brasil. Eu estava sozinho, seria o responsável por levar aos leitores dos jornais um painelgloboesportepalmeirasinformaçõesgloboesportepalmeirastudo. Era uma grande responsabilidade.
Isso fez eu me concentrar quase doentiamente no meu trabalho. Ao mesmo tempo, comecei a elaborar uma estratégiagloboesportepalmeirascobertura. As notícias estariam no hospital, mas também no autódromo. Era imprescindível ouvir, se falassem, Frank Williams, dono da equipegloboesportepalmeirasSenna, Patrick Head e Adrian Newey, os homens que assinaram o projeto do modelo FW16 pilotado por Senna.
Não encontrei no hospital um único cidadão que tivesse um mínimogloboesportepalmeirassensibilidade com o que estava se passando: um pilotogloboesportepalmeirasF1, ídologloboesportepalmeirasdezenasgloboesportepalmeiraspaíses, mesmo na Itália, lutava para viver e os funcionários do hospital continuavam sendo mal-educados, grossos e desinteressados, mesmo com quem falassegloboesportepalmeirasitaliano com eles, como eu.
O que faltavagloboesportepalmeirasbom senso a essas pessoas sobrava aos médicos deslocados para o atendimento. Todos solícitos e não escondendo nenhuma informação.
Logo proibiram a subida para a UTI. Vim a saber por não ver nenhum outro jornalista, àquela altura, na porta da unidade. Depois autorizaram pessoas próximas a Senna. Falo disso mais tarde.
Entrei já no assunto da conversa com os médicos do atendimento a Senna no capítulo anterior e me estendo mais agora,globoesportepalmeirasdetalhes.
O doutor Giovanni Gordini, que prestou atendimento no autódromo e no helicóptero, estava emocionado. Falavagloboesportepalmeirasvoz baixa comigo, na porta da UTI. Começou a descrever o que vivera naquela última hora.
Mais Senna, 30 anos:
- Antes mesmogloboesportepalmeirasretirar o capacete, ficamos impressionados com a quantidadegloboesportepalmeirassangue que o piloto perdia. Alguma artéria havia sido atingida com certeza e minha primeira preocupação era, uma vez exposta a cabeçagloboesportepalmeirasSenna, tentar conter a hemorragia - disse.
Quem orientou a complexa retirada do capacete foi o doutor Sid Watkins, médico da F1. Mais do doutor Gordini:
- Mas tão logo tivemos acesso agloboesportepalmeirascabeça, sem o capacete e a balaclava, compreendi que Senna não sobreviveria. Vimos que a base craniana estava aberta e ele perdia massa cefálica, cérebro, pelo cortegloboesportepalmeirasmaisgloboesportepalmeirasum centímetrogloboesportepalmeiraslargura que corria por trás das orelhas,globoesportepalmeiraslado a lado da cabeça. Para mim, ele havia batido a cabeça no muro da curva Tamburello,globoesportepalmeirasalta velocidade. Isso explicava aquele traumatismo generalizado da caixa craniana.
Depoisgloboesportepalmeirasouvir aquilo, estava claro para mim que não havia mais o que fazer. A mortegloboesportepalmeirasSenna era uma questãogloboesportepalmeirastempo. Pouco tempo. Lembro-megloboesportepalmeiraster procurado um lugar para sentar e dizer a mim mesmo que aquilo era verdade. Eu estava, literalmente,globoesportepalmeiraschoque.
Sabia que Senna estava do outro lado da porta, a não maisgloboesportepalmeiras10 metros, no máximo,globoesportepalmeirasmim, e na condição terrível descrita pelo doutor Gordini.
Me veio à mente que o havia conhecidogloboesportepalmeirasuma corridagloboesportepalmeiraskart,globoesportepalmeiras1978. A revista Quatro Rodas publicou uma reportagem sobre um menino “kartista excepcional”, Ayrton Senna da Silva, e fui, num sábado à tarde, ao kartódromogloboesportepalmeirasInterlagos vergloboesportepalmeirasperto quem era aquele fenômeno.
Não era jornalista, assisti à corrida da arquibancada. Vale a pena um dia eu contar essa história. E agora aquele já homem formado, três vezes campeão do mundo, que eu tanto acompanheigloboesportepalmeirasperto na F1, por vezes como torcedor mesmo, encontrava-se à beira da morte.
Nesse instante, passou um cidadão que, educadamente, me informou que os médicos do caso falariam no centrogloboesportepalmeirasconferências do hospital, no térreo. Atingido, claro, com tudo aquilo, sem saber direito o que pensar, fui para lá, sempre transportando o meu blocogloboesportepalmeirasanotações e o velho computador laptop Toshiba 1000, uma peçagloboesportepalmeirasmuseu se comparada aos que uso hoje.
Agradeci a atenção do doutor Gordini com quem, na realidade, mantive mais uma conversa informal do que uma entrevista formal.
Atrás da mesa do centrogloboesportepalmeirasconferência ficaram,globoesportepalmeiraspé, os doutores Franco Servadei, Domenico Cosco, Andreolli, neurocirurgiões, Giovanni Gordini, anestesista, e a doutora Maria Tereza Fiandri.
O primeiro a falar foi Andreolli, que descreveu o quadro como o mais traumático possível.
- Não existe uma área específica do crânio que podemos intervir, tudo foi danificado no acidente. O traumatismo é generalizado, bem como os danos a todo o tecido nervoso - explicou.
Entre a minha conversa com o doutor Gordini, no 11° andar, e o início da conferência houve um intervalogloboesportepalmeirascercagloboesportepalmeirasuma hora. Já havia muitos repórteres no hospital para acompanhar o caso. Na salagloboesportepalmeirasconferência, pude observar até mesmo doentesgloboesportepalmeiraspijama, internados, que sabiam da chegadagloboesportepalmeirasSennagloboesportepalmeirasestadogloboesportepalmeirasemergência. Desejavam notícias.
A consternação pelo anúncio do doutor Andreolli foi impressionante. As pessoas tomaram consciênciagloboesportepalmeirasque Senna, ídologloboesportepalmeirastanta gente, aquele que parecia imortal, morreria no máximogloboesportepalmeirasquestãogloboesportepalmeirashoras. Entreigloboesportepalmeirascontato com o nosso chefegloboesportepalmeirasreportagem para informar o que já apurara e o que viria pela frente.
Como eu teriagloboesportepalmeirasescrever um volume respeitávelgloboesportepalmeirastextos naquele dia, Castilho sugeriu que eu já enviasse o primeiro com o que tinha até então. Achei prudente. Sentei numa das cadeiras da salagloboesportepalmeirasconferência e conectei meu laptopgloboesportepalmeirasuma tomada que descobrira ali, próximo da mesa dos médicos, que já haviam deixado o local.
Nesta hora, apareceu um cidadão da administração, daquelesgloboesportepalmeirasmal com a vida citados há pouco, dizendo que não poderia ficar lá. “Vou fechar a sala”, disse, com a maior agressividade pensável. Eu lhe pedi que me desse uns 50 minutos para redigir um texto. Issogloboesportepalmeirasnada alteraria a rotina do hospital. Outros jornalistas também manifestaram a necessidadegloboesportepalmeirastrabalhar. Era uma condição excepcional.
Quase sem olhar para nós, o indivíduo foi até o painelgloboesportepalmeirascontrolegloboesportepalmeirasluzes da sala e nos ameaçou, com a mão nos interruptores: se não saíssemosgloboesportepalmeiraslá naquele instante desligaria a luz do ambiente. Fechei meu laptop e fui embora.
Fui procurar os doutores Gordini, Salcito e Servadei novamente, que tão gentis se mostraram. Por sorte, encontrei o doutor Servadei numa sala do térreo. Ele me deu mais detalhes:
- A hemorragia que Senna tinha ainda na pista era tão violenta que durante o voo nós lhe demos volume considerávelgloboesportepalmeirassangue.
Ele também falou da perdagloboesportepalmeiraslíquor, líquido cefalorraquidiano existente entre as camadas nervosas, a fimgloboesportepalmeirasprotegê-las.
- Em decorrência da desaceleração sofrida pelo cérebro, Senna perdia massa cinzenta e líquor, o que começou a deformar rapidamente suas feições.
Toda vez que essas camadas são rompidas, o líquor, mantido sob elevada pressão entre elas, se espalha pelas cavidades que encontra, causando o inchaçogloboesportepalmeirastodos os tecidos. Em outras palavras, a cabeçagloboesportepalmeirasSenna estava se deformando rapidamente, ganhando volume.
O doutor Gordini, próximo ao doutor Servadei, contou-me também outra passagem relativa agloboesportepalmeirasespecialidade, como escrevi, anestesista, durante o voogloboesportepalmeirashelicóptero até o Hospital Maggiore:
- Senna teve uma depressão respiratória importante. Nós administramos drogas que reverteram o quadro. Mesmo que ele não tivesse sofrido todos os estragos no cérebro, decorrentes do impacto no muro, só aquela depressão já lhe teria causado danos irreversíveis no tecido nervoso. Ele teria apenas vida vegetativa. Seu cérebro recebeu pouco oxigênio durante um tempo precioso. Na UTI Senna chegou a ter uma parada respiratória. Nós o reanimamos.
Observe quegloboesportepalmeirasnenhum momento os médicos falaramgloboesportepalmeirasafundamento do frontal, causado por algum componente do carro que se projetou na direção da cabeça no momento do impacto.
A investigação criteriosa do acidente revelou que a barra que conecta a mangagloboesportepalmeiraseixo da suspensão dianteira direita ao conjunto mola-amortecedor, denominada push-rod, localizada sobre a porção frontal do monocoque, se soltou no choque do Williams no muro da Tamburello e se deslocou na direção do capacetegloboesportepalmeirasSenna.
A seguir a barra perfurou a viseira, empurrou a borracha que circunda o recorte do capacete para o piloto enxergar, e pressionou a cabeça do piloto contra a partegloboesportepalmeirastrás do cockpit. Essa compressão causou a fratura da base do crânio, descrita pelo doutor Servadei. A barra atingiu antes a artéria temporal, gerando forte hemorragia.
Recapitulando: pouco antes das 16 horas eu já estava no Hospital Maggiore e conversava com os doutores Gordini, Salcito e depois Servadei na porta do UTI. Às 16h30 a doutora Fiandri anunciou, no centrogloboesportepalmeirasconferências do hospital, que o neurocirurgião, doutor Andreoli, ao seu lado juntogloboesportepalmeirasoutros médicos, falaria sobre o estadogloboesportepalmeirasSenna. Ficamos sabendo que não havia como intervir cirurgicamente e que a morte era uma questãogloboesportepalmeirashoras.
Depois, voltei a falar com os médicos presentes o tempo todo no caso e obtive detalhes do ocorrido. A doutora Fiandri, que se tornou uma espéciegloboesportepalmeirasporta-voz do grupo médico, também nos avisou que só se pronunciaria se tivesse “alguma novidade”.
Às 17h55, ela surge desta vez no saguão principal do hospital, na porta do pronto-socorro, no térreo.
A doutora Fiandri estava visivelmente emocionada. Mantinha silêncio absoluto. Uma multidãogloboesportepalmeirasrepórteres se aproximou para ouvi-la. Não se manifestou até que todos se calassem.
Eu estava do seu lado. Com a voz embargada, a médica afirmou:
- Senhores, o eletroencefalogramagloboesportepalmeirasSenna não acusa mais atividade elétrica.
Deu uma pausa. Parecia estar se recompondo:
- Senna tem morte cerebral.
Saiugloboesportepalmeirascompleto silêncio, devagar. Depois a vi falando com a TV italiana.
Os profissionaisgloboesportepalmeirasimprensa que permaneceram no autódromo, a esta altura, com o fim da corrida, já estavam no hospital. Para a maioria, aquele foi o primeiro contato com os médicos que cuidavamgloboesportepalmeirasSenna. A notícia causou comoçãogloboesportepalmeirastodos. Quem estava lá já sabia que o desfecho do caso seria aquele.
Uma disputa intensa pelos telefones públicos se seguiu. A telefonia celulargloboesportepalmeiraslonga distância estava apenas começando. Não me lembrogloboesportepalmeirasver alguém com celular na época.
O comunicado da doutora Fiandri informava, no fundo, a mortegloboesportepalmeirasSenna. Seu coração continuava batendo, mas não por muito tempo. Vi pessoas chorando, entre eles jornalistas emocionados também. Eu ainda não chorara, talvez por conta daquele preparo a que me submeti, dizendo a mim mesmo que, ao menos enquanto estivesse ali, atrásgloboesportepalmeirasinformações, mantivesse a situação sob controle. Mas estava abalado, sem dúvida.
Todos nós, jornalistas, precisávamos nos comunicar com nossas bases, para,globoesportepalmeirasnovo, informar o andamento das notícias. A doutora Fiandri, por exemplo, disse que só voltaria a falar com a imprensa às 21 horas ou se “tivesse alguma novidade”. Isso depoisgloboesportepalmeirasanunciar a morte cerebral do piloto, às 18h05.
Às 19h05, ela surgiugloboesportepalmeirasnovo no hall central do hospital. Não era onde estava Senna, no 11º andar. Com os olhos marejados, claramente havia chorado, falougloboesportepalmeirasvoz pausada, carregadagloboesportepalmeirasemoção, enquanto não se ouvia um ruído sequer agloboesportepalmeirasvolta, apesar da presençagloboesportepalmeirasdezenasgloboesportepalmeirasjornalistas. Todos precisavam ouvir para acreditar.
- Senhores, por favor (tempo para respirar fundo). Desde às 18h40 Senna não registra mais atividade cardíaca - afirmou.
Nova pausa. Ninguém se manifesta, silêncio total. A doutora Fiandri sugere ter algo mais a dizer. Já com os olhos cheiosgloboesportepalmeiraslágrimas, voz trêmula, afirma delicadamente:
- Senhores, Senna está morto.
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