Há algumas semanas, adversários resgataram uma publicação antigafred ring apostas esportivasMilei na qual compara Pelé e Maradona listando uma sériefred ring apostas esportivas"defeitos" do ídolo argentino. Dentre muitas ofensas, uma desrespeitosa menção à dependência químicafred ring apostas esportivasDiego causou revolta geral.

Já na semana derradeira da campanha para o segundo turno – que será realizadofred ring apostas esportivas19fred ring apostas esportivasnovembro –, uma entrevistafred ring apostas esportivasJavier Milei a um podcast local ganhou novo destaque. Em 2022, perguntado pelo apresentador Alejandro Fantino sobre o que achava sobre a transformação dos clubesfred ring apostas esportivas"sociedades anónimas deportivas" (SAD), Milei foi categórico ao dizer que preferia "o modelo inglês" e que a Argentina deveria adotá-lo.

Com a grande repercussão desse vídeo nas redes sociais, diversos clubes argentinos prontamente se posicionaram publicamente para demonstrar desacordo com o modelofred ring apostas esportivas"SAD" no futebol local. Boca Juniors, River Plate, Racing Club, Independiente e muitos outros usaram suas redes sociais nos dias seguintes à viralização do vídeo.

Deturpações e descontextualizaçõesfred ring apostas esportivasJavier Milei à parte - afinal, o "sucesso" do futebol inglês se deve por questões muito mais profundas do que o modelofred ring apostas esportivas"clube com dono" -, e também deixada à parte a aderência automática do "libertarianismo mileista" à ideiafred ring apostas esportivasque clubes devem ser empresas - porque há uma profunda questão ideológica nesse tema -, o barulho causado no país vizinho parece ter sido bem pouco compreendido aqui no Brasil.

Então vamos às questões cruciais para entender porque o apoiofred ring apostas esportivasJavier Milei às SADs tem tanta importância nas eleições que se avizinham, sem exatamente adentrar nas questões ideológicas e simbólicas que o atual pleito traz.

Em outra oportunidade comentamos aqui no blog que o Brasil é uma exceção quando se falafred ring apostas esportivasclubesfred ring apostas esportivasfutebol. Diferente do que é vistofred ring apostas esportivaspaíses como Alemanha, Espanha, Portugal, Turquia e Egito, nosso clubes são muito pequenos quando observados seus quadro sociais. Tratam-sefred ring apostas esportivasagremiações restritas e elitistas, com um número reduzidofred ring apostas esportivassócios.

A Argentina está no extremo oposto dessa realidade, sendo um dos países com cultura clubística mais pulsante e enraizada do planeta. Os grandes clubes, como Boca Juniors e River Plate, já registram maisfred ring apostas esportivas50 mil sócios desde a décadafred ring apostas esportivas1940. Clubes mais modestos, como o Velez Sarsfield, por exemplo, apresentavam um quadro com maisfred ring apostas esportivas60 mil sócios ainda na décadafred ring apostas esportivas1980.

E aqui não estamos falando do tal "sócio-torcedor". Esses números se referem a sóciosfred ring apostas esportivasfato, indivíduos que são membros do clube, com direitos políticos previstosfred ring apostas esportivasestatuto. São pessoas que pagam cotas mensais para utilizar as instalações do clube, como piscinas, quadras, camposfred ring apostas esportivasfutebol, que praticam esportes dos mais variados e convivem nessas localidades.

No contexto de Buenos Aires, onde 29 clubes esportivos possuem futebol profissional, a existência dos clubes está quase que diretamente relacionada ao desenvolvimento urbano da capital. O sociólogo Rodrigo Daskal, da Universidadefred ring apostas esportivasSan Martin (USAM), é um dos principais pesquisadores que explicam como clubes sociais eram fundados para agregar as comunidades surgidasfred ring apostas esportivasdecorrência dos muitos projetos públicosfred ring apostas esportivashabitação, que iam formando bairros novos pela capital ao longo do século XIX e XX.

Isso explica como clubes argentinos não têm apenas “torcidasfred ring apostas esportivasmassas”, como os brasileiros, mas verdadeiros “quadros associativosfred ring apostas esportivasmassas”. A relação entre “los hinchas argentinos” com seus clubes é muito diferente da relação que “os torcedores brasileiros” são permitidos a alimentar com os clubes por aqui. Ela é mais visceral, cotidiana, presencial, mais ao “clube” do que ao “time”.

Também pesa essa relação históricafred ring apostas esportivasuso do clube enquanto espaçofred ring apostas esportivasprática esportiva efred ring apostas esportivassocialização, algo há muito tempo perdido nos “clubes sociais” brasileiros e desde sempre quase inexistente nos grandes clubes que desenvolveram futebol profissional. É só observar como é difícil a “sócio-torcedores”fred ring apostas esportivasFlamengo e Corinthians adentrar nas instalações dos clubes sociais, sempre restritas aos “sócios estatutários”, “sócios patrimoniais” ou qualquer outro nome que seja.

O clube na Argentina é algo para muito alémfred ring apostas esportivasum timefred ring apostas esportivasfutebol,fred ring apostas esportivasuma comunidade imaginada e/oufred ring apostas esportivasum símbolo que se resume ao escudo na camisa. Trata-sefred ring apostas esportivasum lugar real, onde se vive, se convive e se constrói uma relaçãofred ring apostas esportivasafeto e pertencimento.

Por isso, para entender a “gravidade” da falafred ring apostas esportivasJavier Milei na realidade argentina é preciso primeiro reconhecer que o futebol brasileiro é uma exceção, não uma regra. A relação dos argentinos com os clubes sociais, especialmente os clubesfred ring apostas esportivasfutebol, extrapola a nossa compreensão desse fenômeno porque simplesmente não o vivemos. São raros os clubes brasileirosfred ring apostas esportivasmassas.

Mas para além da questão da cultura clubística, o tema das SAD também afeta profundamente a cultura política dos clubes argentinos. É por onde se entende a rápida manifestação das diretorias.

A socióloga Verónica Moreira, da Universidadefred ring apostas esportivasBuenos Aires (UBA), uma das pesquisadoras mais importantes sobre as questões políticas dos clubes argentinos, observa como o rechaço à “privatização” é persistente no imaginário torcedor local. A própria Moreira destaca o problema semântico do termo “privatização” – afinal, clubes são associaçõesfred ring apostas esportivasdireito privado –, que deve ser entendido como uma palavra-de-ordem contrária à entrega do clube para grupos empresariais externos.

Também diferente do que se deu no debate sobre as SAFs no Brasil, o entendimento do hincha argentino comum sobre o controle político dos seus clubes é muito distinto. Isso ocorre, principalmente, porque eles são sujeitos políticos ativos, não meros espectadores dos restritos debates políticos internos.

Eleiçõesfred ring apostas esportivasclubes na Argentina são massivas, superando a marcafred ring apostas esportivas10 mil votos mesmofred ring apostas esportivasagremiações mais modestas (a títulofred ring apostas esportivascomparação, a maior eleição do Vasco teve cercafred ring apostas esportivas5,2 mil votos), sendo Boca Juniors e River Plate donosfred ring apostas esportivasalgumas das maiores eleições já registradasfred ring apostas esportivasclubesfred ring apostas esportivasfutebolfred ring apostas esportivastodo o planeta.

Por causa disso, o tema das SAD na Argentina encontra duas grandes barreiras. Primeiro, porque o pertencimento clubístico local é diretamente ligado a uma relação política ativa, constante e irredutível. Segundo, porque os dirigentes dos clubes não se sentem confortáveisfred ring apostas esportivascogitar apoiar a ideia das SADs, pois isso tem um custo político muito alto.

Um exemplo disso é o Racing Club, quando era dirigido pelo empresário Victor Blanco. Muito próximo do ex-presidente Mauricio Macri e sempre escorregadio sobre as ideiasfred ring apostas esportivasvenda dos clubes, Blanco foi pressionadofred ring apostas esportivas2018 a se pronunciar publicamente contra as SAD. “Racing expressa seu desejofred ring apostas esportivascontinuar construíndo seu destino a partir da vontadefred ring apostas esportivassua gente”.

Essa pressão, exercida pelos sócios (especialmente os que apoiavamfred ring apostas esportivasgestão) acabou contaminando todos os outros clubes locais. À época, o então presidente do país Maurício Macri – que foi eleito na carona do sucesso do Boca Juniors, clube que comandou ao longofred ring apostas esportivasmaisfred ring apostas esportivasuma década –, buscava aprovar um projetofred ring apostas esportivaslei que obrigasse os clubes locais a adotar tal modelo.

O anofred ring apostas esportivas2018, por sinal, marcava os 20 anos da última iniciativa vivida pela Argentina no sentidofred ring apostas esportivasimpulsionar as SADs. Em 1998, o protagonista do movimento era o próprio Macri, ainda presidente do Boca, que buscava mobilizar os clubes a votar uma reforma do estatuto da AFA (a CBF argentina), que passaria a autorizar clubes filiados a se constituírem como empresas.

Diversos clubes experimentaram intensas manifestações internas contra a proposta, forçando seus dirigentes a rejeitar o modelofred ring apostas esportivasSAD, o que resultou na derrota do projetofred ring apostas esportivasMacri.

A saída à época foi autorizar aos clubes a adoção do modelofred ring apostas esportivas“gerenciamiento” (concessão),fred ring apostas esportivasque a gestão do futebol era entregue a uma empresa privada por um prazo estabelecido. O pioneiro foi o Racing Club, quefred ring apostas esportivas2001 viveu um primeiro ano mágico (vencendo um título após 35 anos), mas depois entrou numa imensa crise, com a empresa Blanquiceleste S.A abrindo dez pedidosfred ring apostas esportivasfalênciafred ring apostas esportivasoito anos. Em 2008 o clube retomou o controle do futebol.

O caso Racing ainda nem havia se mostrado tão fracassado quando o Club Atlético San Lorenzofred ring apostas esportivasAlmagro (CASLA) foi alvofred ring apostas esportivasuma ofertafred ring apostas esportivas“gerenciamiento”fred ring apostas esportivas2001, o que suscitou uma sériefred ring apostas esportivasmanifestações contrárias da parte da torcida (que também é feitafred ring apostas esportivassócios com direito a voto). Um protestofred ring apostas esportivasfrente ao clube ganhou visibilidade após repressão policial e consolidou uma palavra-de-ordem que persiste até os dias atuais: “Siempre CASLA, nunca SA”.

A saga dos torcedores que barraram a venda do CASLA para uma S.A. foi eternizada numa música da barra La Gloriosa Buteler, que pode ser ouvida no vídeo (letra traduzida logo abaixo):

“Já são 100 anos que bate esse sentimento
Quiseram te privatizar, mas eu não te vendo
Ainda dizem que estamos malucos
Aguentamos o rebaixamento, fizemos um estádio novo
Eu quero a banda, fazendo festa e bebendo
Sabemos que vamos voltar a Boedo
A tanta loucura não há explicação
Se desde moleque estou junto contigo
Tanto sentimento, tanto carnaval
Nos fez Gloriosa pela eternidade”

Para entender como torcedoresfred ring apostas esportivasoutros países se relacionam com seus clubes, primeiramente precisamos sair do Brasil. Somos a exceçãofred ring apostas esportivastermosfred ring apostas esportivascultura clubística e cultura políticafred ring apostas esportivasclube. Embora cada realidade expresse uma infinidadefred ring apostas esportivasquestões socioculturais e político-econômicas próprias, a noçãofred ring apostas esportivas"pertencer ao clube" é muito mais contraditória e fora da curva do ladofred ring apostas esportivascá da fronteira.

É mais fácil ao português, ao espanhol e ao alemão entender a realidade da Argentina do que a nós, brasileiros e vizinhos, que quase não temos clubes sociaisfred ring apostas esportivasmassas, como os que esses países construíram ao longofred ring apostas esportivastanto tempo por lá. E está cada vez mais urgente a compreensão dessas questões (leia aqui).

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- Irlan Simões (@irlansimoes) é autor do livro “A Produção do Clube: poder, negócio e comunidade no futebol” (2023).