O motivo do encerramento precoce, entretanto, até hoje causa polêmica. A versão mais famosa envolve o piloto belga Jacky Ickx, que era o diretorprovas do GP e 1984. Então piloto da Porsche nas 24 HorasLe Mans, ele foi acusadoter favorecido Alain Prost, que corriauma McLaren com motor TAG-Porsche na ocasião. Uma outra versão da história tem como vilão o francês Jean-Marie Balestre, então presidente da Federação InternacionalAutomobilismo Esportivo (FISA). Teria partido dele a ordemterminar a corrida para beneficiar o compatriota.

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Entretanto, não foi tão simples assim. Trago agora, no blog Voando Baixo, a história não contada do famoso GPMônaco1984. E a polêmica dessa corrida, que levou à interrupção precoce pouco antes da metade das voltas previstas, é muito mais complexa do que apenas a decisãoum diretorprovas ou a influência do então presidente da FISA. Envolve, para variar, muito dinheiro. E que levou a uma guerra nos bastidores entre várias das entidades envolvidas com a Fórmula 1.

Tudo começou no fim1983. O Automóvel ClubeMônaco (ACM), organizador do GPMônaco, vendeu parte dos direitosTV para a rede americana ABC. Com isso, excluiu a FISA e a Associação dos Construtores da Fórmula 1 (FOCA), que tinha o inglês Bernie Ecclestone como presidente,parte das receitas. Por causa disso, Jean-Marie Balestre chegou a excluir a corrida do principado da temporada1984. E ela só foi recolocada no calendário após a promessaMichel Boeri, então presidente do ACM,rescindir o contrato com a ABC. Contudo, o dirigente cozinhou seus rivais e nada fez a este respeito.

Com isso,7março1984, a FISABalestre fez uma repreensão pública e cobrou que o ACM pagasse 7,5% dos direitos televisivos arrecadados1983 antes do GP daquele ano. Caso contrário, a corrida seria excluída do calendário. Além disso, exigiu que o ACM cumprisse os termos do Pacto da Concórdia para seguir na F1 por mais anos. A atitude da FISA, entretanto, desagradou o príncipe Rainier III, que considerou a reprimenda um insulto. E apresentou uma queixa no tribunal sumário da Federação InternacionalAutomobilismo (FIA), o equivalente ao atual Tribunal InternacionalApelações da entidade, algo inédito.

O julgamento da apelação foi realizado um dia antes dos treinos do GP1984. Só que, diante da enorme confusão envolvendo as entidades, os direitosTV e até mesmo o Pacto da Concórdia, o juiz designado para o caso se declarou incompetente. A audiência foi remarcada para uma data posterior e, com isso, a corrida seguiu adiante como previsto.

Os treinos e as classificaçõesquinta-feira e sábado foram disputados com pista seca. Mas o domingo guardava uma surpresa: uma chuva torrencial atingiu o PrincipadoMônaco. Com isso, a largada foi atrasada20 minutos. Depois disso, Jacky Ickx, diretorprovas, decidiu autorizar o começo da corrida. Com isso, a Toleman, equipeAyrton Senna, decidiu correr com gasolina para apenas dois terços do tanque, apostando que a prova terminaria no limite regulamentarduas horas e não nas 77 voltas previstas para aquele domingo.

A história da corridasi é muito conhecida. Alain Prost largou na pole, enquanto o jovem Senna e Stefan Bellof, da Tyrrell, escalavam o pelotão vindo13º e 20º no grid, respectivamente. O brasileiro assombrou a todos fazendo ultrapassagens sobre gente grande, como por exemplo o austríaco Niki Lauda. E o alemão vinha tambémuma bela corridarecuperação. A essa altura, Prost sofria com a chuva e também com problemasfreios emMcLaren. E começou a pedir insistentemente a interrupção da prova com a bandeira vermelha. E ela veio na 32ª volta.

Enquanto Ickx mostrava a bandeira vermelha, outra pessoa, atrás dele, sem a autorização da direçãoprovas, mostrou também a quadriculada, encerrando a prova, como dizia o regulamento esportivo. Esta pessoa era ninguém menos que Michel Boeri, presidente do ACM. A confusão foi instaurada, já que todos achavam que a corrida seria reiniciada. Entretanto, a organização do GPMônaco seguiu com os procedimentos para a realização do pódio, que ocorria tradicionalmente na tribuna do Príncipe Rainier III. A classificação válida seria a da 31ª volta.

O príncipe recebeu Prost e Senna no pódio, já que Bellof, terceiro colocado, não apareceu no pódio. O alemão depois perderia esse resultado, já que a Tyrrell foi desclassificada da temporada por, entre outras coisas, usar dois tanquescombustível no modelo 014 e também por gasolina irregular. O francês René Arnoux, da Ferrari, herdaria o terceiro lugar. O brasileiro ficou inconformado com o fim preoce da corrida, masToleman também sofria, àquela altura, com problemasfreios, o superaquecimento do motor Hart e danos na suspensão traseira direita, causados por uma subida na zebra da Chicane do Porto.

Por tudo isso, a Confederação BrasileiraAutomobilismo (CBA) chegou a questionar a integridadeJacky Ickx por suas ligações com a Porsche. Anos mais tarde, o belga confessou que o francês Jean-Marie Balestre, presidente da FISA, o pressionou para mostrar a bandeira vermelha e interromper a prova naquele momento, já que o beneficiado seria Alain Prost, também francês. O problema é que nada disso explica a bandeira quadriculada mostrada por Michel Boeri, presidente do ACM.

Foi quando a briga pelos direitosTV voltou à tona. A corrida não foi reiniciada para não atrapalhar a grade da americana ABC, que tinha contrato para fazer a transmissão diretamente com o ACM, que tomou todas as providências para assegurar isso. Enquanto as equipes corriam a para a direçãoprovas para saber o horáriouma eventual relargada, todo o protocolo pós-prova era respeitado. O hino francês era tocado no pódio para Alain Prost e as barreirasproteção da pista já começavam a ser desmontadas por empregados contratados pelo ACM.

Contudo, respeitar o contratodireitosTV não era a única preocupação do ACM na ocasião. Havia um outro motivo, um pouco menos importante, mas igualmente forte pensandoum país como Mônaco. A entidade não queria deixar o Príncipe Rainier III esperandoforma desnecessária por um possível reinício do GP. Com o aumento da chuva, uma possível relargada demoraria demais. Por isso, o ACM também tratoucuidar do bem estar do príncipe e acelerou todo o processoencerramento da prova. Sem surpresas, tudo isso causou críticas vindas da FISA. E, injustamente, fez com que Jacky Ickx, o diretorprovas, saísse com o vilão daquele domingo, dia 3junho1984.