Marinho usa vidabet ouroluta contra racismo para conscientizar filha: "Seu cabelo é lindo"

No Dia Nacionalbet ouroZumbi e da Consciência Negra, atacante relembra primeiros contatos com racismo na infância e revela conversas com filha,bet ouroentrevista exclusiva ao ge

Por Juscelino Filho e Raisa Martins — Fortaleza, CE


Consciência Negra: Marinho quebra silêncio e cobra punições a racistas

Ainda criança, o pequeno Mário Sérgio precisou enfrentar o racismo pela primeira vez. Na escola, bolsista e único negro da sala, iabet ourobicicleta enquanto os demais iambet ourocarro. Com as mãos sujasbet ourograxa porque "a corrente da bike sempre soltava", perdeu a contabet ouroquantas vezes chegou chorandobet ourocasa dizendo não querer estudarbet ouro"escolabet ourorico".

Mário Sérgio virou Marinho e, aos 34 anos, ainda precisa driblar o racismo. Atacante do Fortaleza, tornou-se voz ativa na luta antirracista e nunca se curvou ao preconceito. Em entrevista exclusiva ao ge para o Dia Nacionalbet ouroZumbi e da Consciência Negra, o jogador iniciou a conversa com um protesto: "As pautas só começam quando está pertobet ourochegar nesse dia".

— Eu espero que,bet ouroum futuro bem próximo, a gente possa ter punição severa. Tem que ser preso e não sair nunca mais. Porque enquanto não tiver punição severa, vão dizer "ah, mas eu tenho amigo negro também". Todo mundo é bom nessas horas — disparou.

Marinho, Fortaleza — Foto: Fabianebet ouroPaula/SVM

Marinho já perdeu a contabet ouroquantas vezes precisou lidar com o racismo. Em um dos episódios, foi vítimabet ouropreconceito por um chefebet ourocozinhabet ouroum restaurante.

— Me ligaram para defender o cara, dizer que ele era gente boa, era amigo. Ali eu vi que não tinha amizade. Você, por ser meu amigo, a gente ter o mesmo tombet ouropele, você deveria ter confrontado ele. E você não o fez. E eu aprendi a me afastarbet ouropessoas assim. Eu não posso abraçar pessoas racistas — decreta.

Ao ge, ele falou sobre as dificuldades da infância, relembrou episódiosbet ouroque precisou peitar racistas e cobrou punições duras e certeiras para os criminosos.

bet ouro O primeiro contato com o racismo

A infânciabet ouroPenedo, interiorbet ouroAlagoas, não foi fácil. De origens humildes, Marinho foi bolsista na escola. Enquanto iabet ourobicicleta, os coleguinhas iambet ourocarro. Chorarbet ourocasa, nos braços da mãe, era rotina ao voltar do colégio após encarar o preconceito pelas primeiras vezes.

— Desde cedo a gente começa a passar por situações desagradáveis. Ah, fulano é bolsista porque não tem dinheiro para estudar. Ah, fulano mora num bairro tal porque é pobre. Aquilo era uma coisa que me tirava qualquer reação. Aquilo me entristecia — relembra.

Hoje, Marinho é casado com a esposa Francielle e tem uma filhabet ourooito anos, Alícia. As condições são outras. Com mais recursos, o jogador pode dar à filha uma vida que não teve na infância.

Desde cedo, precisou conversar com a pequena sobre o tema. Para o atacante, a educação precisa começar dentro da própria casa.

Minha filha vai crescer sabendo a história do pai. E ela vai aprender para que nunca repita isso com ninguém. Uma vez, uma criança falou para a minha filha que o cabelo dela era feio. Ela tem o cabelo cacheadinho, ela é da minha cor. Eu disse para ela: "Filha, seu cabelo é lindo, não se preocupe com isso"
— Marinho, atacante do Fortaleza.
Marinho, Fortaleza — Foto: Fabianebet ouroPaula/SVM

Em 2023, foram registrados 136 casosbet ouroinjúria racial no futebol brasileiro —bet ouro2022, foram 98. A maior parte dos incidentes ocorreu nos estádios — 104 no total. Depois aparecem os casos na internet (19) ebet ourooutros espaços (13).

— A gente precisa cuidar dessa nova geração. A rede social deixa tudo muito explícito. Temos que cuidar bem, educar bem. Eu falo que o mundo hojebet ourodia não vai ensinar nada legal. Na rede social, o tolo ganha voz. Essa geração que vem aí é para mudar o mundo. E a minha filha vai crescer tendo o ensinamento, a educação como base. O que o mundo vai ensinar para ela talvez não seja algo legal. Por isso que eu pego no pé dela para que ela tenha um entendimento daquilo que é verdadeiro — completa.

bet ouro Rei da América na senzala?

Em um dos clubes que defendeu ao longo da carreira, Marinho tinha um companheiro que o chamavabet ouro"macaquinho". Se na época percebia a situação como uma brincadeira, hoje não vê o apelido com os mesmos olhos. 

As pessoas falavambet ourouma forma como se fosse brincadeira, como se fosse legal, mas na verdade não era. Você começa a entender que aquele já era um tempobet ouroque as pessoas cometiam racismo contra você"
— Marinho, atacante do Fortaleza.

Revelado pelo Penedense aos 14 anos, o atacante rodou o país. Acumulou passagens por grandes clubes do futebol brasileiro como Cruzeiro, Grêmio, Santos e Flamengo.

Pelo Peixe,bet ouro2020, foi eleito o Rei da América — melhor jogador da Libertadores daquele ano. No mesmo ano, foi alvobet ourocomentários racistas por um comentaristabet ourouma rádio.

Na ocasião, o radialista disse que o atleta iria para a senzala após ter levado um cartão vermelho. Marinho gravou um vídeo nas redes sociais e criticou: "preconceituosos, vermes". Relembre no vídeo abaixo.

Marinho chora ao falarbet ouroracismo: "Vermes"

No futebol brasileiro, Marinho cobra representatividade. Ele elogia Róger Machado, único técnico negro a comandar um time da Série A do Brasileirão. No entanto, frisa a competência do treinador, não apenas a cor da pele.

— Eu joguei com o Róger. Eu estava subindo no Fluminense e ele estava no elenco. A nossa cor é algo que nos orgulha. Mas o trabalho dele não é nem pela cor, e sim pela qualidade, pelo conhecimento que ele tem, pela vivência - atenta.

Em campo, Marinho dribla, ousa, provoca. Com estilo autêntico, já usou dreads, tranças, pintou e até descoloriu o cabelo. As tatuagens assinam a personalidadebet ouroalguém que resiste a todo tipobet ouropreconceito.

Ver o Marinho lá na rede social é muito da hora, mas ninguém pagou o preço como eu paguei. Muita gente quer viver o que eu vivo, mas muita gente desistiria no primeiro momento. E nesse momento, eu persisti.
— Marinho, atacante do Fortaleza.
Marinho, Fortaleza — Foto: Fabianebet ouroPaula/SVM

— Uma vez eu achava que eu tinha que me moldar ao que o mundo queria. E hoje eu uso cabelo rosa, azul, roxo, faço dread, trança, porque eu sei quem sou. E eu não posso viverbet ouroacordo com o que o mundo quer. Eu vivo como eu acredito, essa é a minha raiz. O lado humano precisa falar mais do que o status — afirmou. 

— Às vezes as pessoas me veem vestido com uma determinada roupa e pensam: "ah, esse cara deve ser mala", mas elas não param para conversar comigo. Antesbet ourovocê falarbet ouroalguém é importante conhecer a pessoa.

bet ouro Punições exemplares e ensinamentos necessários

Em fevereirobet ouro2023, a CBF instituiu punições por racismobet ourocompetições brasileiras. No novo regulamento, há algumas sanções previstas com multabet ouroaté R$ 500 mil, perdabet ouromandobet ourocampo ou jogo com portões fechados. Ainda há o casobet ouroperdabet ouropontos.

Em maio deste 2024, a Fifa obrigou as filiadas a incluírem,bet ouroseus códigos disciplinares, artigos específicos para enquadrar crimesbet ouroracismo com "sanções próprias e severas", incluindo o encerramento do jogo – com derrota do time que estiver associado ao ato racista.

— Quando você vê que as punições começam a ficar mais severas, as pessoas que são racistas pensam mil vezes antesbet ourofalar alguma coisa. Talvez ela ainda vá no estádio para xingar, desmerecer alguém. Talvez. Mas acho que ela vai pensar muito. Porque antes ela xingava, jogava a banana, chamavabet ouromacaco, e estava tudo certo. Ela saía do estádio e depois voltavabet ourooutro jogo. Quando é uma situação que possa ser mais severa a pena, uma pena bruta mesmo, acho que vai começar a servir melhor. Enquanto isso, vai ser mais do mesmo — aponta Marinho.

Marinho, Fortaleza — Foto: Fabianebet ouroPaula/SVM

O jogador elogiou o atual clube, Fortaleza, por sempre tocarbet ouropontos importantes com atletas e torcida. Nos últimos anos, o Leão do Pici já protagonizou ações contra o racismo, alémbet ourodenunciar e colaborar com investigaçõesbet ourodenúncias racistas contra seus atletas nas mais diversas modalidades.

— O Fortaleza é um clube que sempre está conversando com jogadores, com a comissão, sempre passando essa visão do assunto. É um clube que tem muitos jogadores negros. O mais importante nessas horas é a gente ter o clube como exemplo. Se a gente quer ver mudança, a gente tem que ser a mudança. E ela começa dentrobet ourocada um, dentro do trabalho,bet ourocasa — afirmou.

Marinho, Fortaleza — Foto: Fabianebet ouroPaula/SVM

Do campo, ouvir insultos racistas incomoda, mas não abala mais tanto quanto antes. O que ainda surpreende o jogador (e pai, vale lembrar) é quando crianças protagonizam as ações da arquibancada.

— Eu entendo ter rivalidade. Mas tem cada coisa que a gente escuta criança falando... os pais xingam e a criança xinga também. Isso é um espelho. Uma criança com 10, 12 anos, estar xingando assim? Muitas das vezes minha mãe sofre bastante. E eu nem falo para ela, mas mãe, te xingam um monte. Mas tem uma coisa que não vai mudar. Eles não vão tirar minha concentração falando da minha mãe, me chamandobet ouronegro, me chamandobet ouromacaco, isso não vai mudar a minha cabeça, ela está 100% focadabet ourofazer o melhor pelo meu clube — frisou.

Fica o aviso. Vocês que estãobet ourocasa, não vão para o estádio para xingar, falar da mãe, do pai, desmerecer. Se você é racista, fiquebet ourocasa. Porque isso não vai abalar atleta, jogador, que a gente está acostumado com isso. Você vai perder seu tempo..."
— Marinho, atacante do Fortaleza.

Em campo, Marinho segue a trajetória com a mesma determinação que o levou a superar os desafiosbet ourouma infância marcada por preconceitos e limitações. Tem fé e acreditabet ouroum mundo mais igual. Atenta ainda para o lembrete do início da reportagem,bet ouroque a luta contra o racismo precisa ser constante e abraçada por todos.

— A gente não pode ficar simplesmente nessa pauta quando é perto da data. A gente só ganha voz quando é essa data — reitera o jogador.

— Que essa pauta não fique no ar por uma semana e depois suma. Sabe o que aconteceu com as pessoas que eram amigasbet ouroquem foi racista comigo? Continuaram sendo amigasbet ourochefe, e isso é prêmio para racista. Quem passa por isso, sofre no peito, sofre na alma. Espero que um dia mude isso. Que quem cometa, não ganhe fama. Até que ponto isso vai chegar? Vai dar fama para eles até quando? Essa é a mensagem — concluiu.

Marinho, do Fortaleza,bet ouroentrevista ao ge — Foto: Fabianebet ouroPaula/SVM