Por Irlan Simões

Jornalista e pesquisador do futebol

“SAF da Argentina”: entenda por que o tema abalou as eleições presidenciais

Diversos clubes reagiram publicamente à declaraçãobetano login entrar na minha contaJavier Milei, candidatobetano login entrar na minha contaextrema-direita, que se disse favorável às "SAD" no país; eleições ocorrem domingo (19).

Riobetano login entrar na minha contaJaneiro


Futebol e política já se misturam naturalmente, mas na Argentina parece que essa relação é sempre mais intensa. Nessa eleiçãobetano login entrar na minha conta2023 "o futebol" assumiu o protagonismo após o resgatebetano login entrar na minha contapolêmicas declarações do oposicionista Javier Milei, excêntrico candidato do partidobetano login entrar na minha contaextrema-direita "La Libertad Avanza".

Há algumas semanas, adversários resgataram uma publicação antigabetano login entrar na minha contaMilei na qual compara Pelé e Maradona listando uma sériebetano login entrar na minha conta"defeitos" do ídolo argentino. Dentre muitas ofensas, uma desrespeitosa menção à dependência químicabetano login entrar na minha contaDiego causou revolta geral.

Já na semana derradeira da campanha para o segundo turno – que será realizadobetano login entrar na minha conta19betano login entrar na minha contanovembro –, uma entrevistabetano login entrar na minha contaJavier Milei a um podcast local ganhou novo destaque. Em 2022, perguntado pelo apresentador Alejandro Fantino sobre o que achava sobre a transformação dos clubesbetano login entrar na minha conta"sociedades anónimas deportivas" (SAD), Milei foi categórico ao dizer que preferia "o modelo inglês" e que a Argentina deveria adotá-lo.

Com a grande repercussão desse vídeo nas redes sociais, diversos clubes argentinos prontamente se posicionaram publicamente para demonstrar desacordo com o modelobetano login entrar na minha conta"SAD" no futebol local. Boca Juniors, River Plate, Racing Club, Independiente e muitos outros usaram suas redes sociais nos dias seguintes à viralização do vídeo.

Deturpações e descontextualizaçõesbetano login entrar na minha contaJavier Milei à parte - afinal, o "sucesso" do futebol inglês se deve por questões muito mais profundas do que o modelobetano login entrar na minha conta"clube com dono" -, e também deixada à parte a aderência automática do "libertarianismo mileista" à ideiabetano login entrar na minha contaque clubes devem ser empresas - porque há uma profunda questão ideológica nesse tema -, o barulho causado no país vizinho parece ter sido bem pouco compreendido aqui no Brasil.

Então vamos às questões cruciais para entender porque o apoiobetano login entrar na minha contaJavier Milei às SADs tem tanta importância nas eleições que se avizinham, sem exatamente adentrar nas questões ideológicas e simbólicas que o atual pleito traz.

betano login entrar na minha conta Cultura clubística

Em outra oportunidade comentamos aqui no blog que o Brasil é uma exceção quando se falabetano login entrar na minha contaclubesbetano login entrar na minha contafutebol. Diferente do que é vistobetano login entrar na minha contapaíses como Alemanha, Espanha, Portugal, Turquia e Egito, nosso clubes são muito pequenos quando observados seus quadro sociais. Tratam-sebetano login entrar na minha contaagremiações restritas e elitistas, com um número reduzidobetano login entrar na minha contasócios.

A Argentina está no extremo oposto dessa realidade, sendo um dos países com cultura clubística mais pulsante e enraizada do planeta. Os grandes clubes, como Boca Juniors e River Plate, já registram maisbetano login entrar na minha conta50 mil sócios desde a décadabetano login entrar na minha conta1940. Clubes mais modestos, como o Velez Sarsfield, por exemplo, apresentavam um quadro com maisbetano login entrar na minha conta60 mil sócios ainda na décadabetano login entrar na minha conta1980.

E aqui não estamos falando do tal "sócio-torcedor". Esses números se referem a sóciosbetano login entrar na minha contafato, indivíduos que são membros do clube, com direitos políticos previstosbetano login entrar na minha contaestatuto. São pessoas que pagam cotas mensais para utilizar as instalações do clube, como piscinas, quadras, camposbetano login entrar na minha contafutebol, que praticam esportes dos mais variados e convivem nessas localidades.

No contexto de Buenos Aires, onde 29 clubes esportivos possuem futebol profissional, a existência dos clubes está quase que diretamente relacionada ao desenvolvimento urbano da capital. O sociólogo Rodrigo Daskal, da Universidadebetano login entrar na minha contaSan Martin (USAM), é um dos principais pesquisadores que explicam como clubes sociais eram fundados para agregar as comunidades surgidasbetano login entrar na minha contadecorrência dos muitos projetos públicosbetano login entrar na minha contahabitação, que iam formando bairros novos pela capital ao longo do século XIX e XX.

Isso explica como clubes argentinos não têm apenas “torcidasbetano login entrar na minha contamassas”, como os brasileiros, mas verdadeiros “quadros associativosbetano login entrar na minha contamassas”. A relação entre “los hinchas argentinos” com seus clubes é muito diferente da relação que “os torcedores brasileiros” são permitidos a alimentar com os clubes por aqui. Ela é mais visceral, cotidiana, presencial, mais ao “clube” do que ao “time”.

Irlan Simões explica como funcionam as eleiçõesbetano login entrar na minha contaclubes pelo mundo

Também pesa essa relação históricabetano login entrar na minha contauso do clube enquanto espaçobetano login entrar na minha contaprática esportiva ebetano login entrar na minha contasocialização, algo há muito tempo perdido nos “clubes sociais” brasileiros e desde sempre quase inexistente nos grandes clubes que desenvolveram futebol profissional. É só observar como é difícil a “sócio-torcedores”betano login entrar na minha contaFlamengo e Corinthians adentrar nas instalações dos clubes sociais, sempre restritas aos “sócios estatutários”, “sócios patrimoniais” ou qualquer outro nome que seja.

O clube na Argentina é algo para muito alémbetano login entrar na minha contaum timebetano login entrar na minha contafutebol,betano login entrar na minha contauma comunidade imaginada e/oubetano login entrar na minha contaum símbolo que se resume ao escudo na camisa. Trata-sebetano login entrar na minha contaum lugar real, onde se vive, se convive e se constrói uma relaçãobetano login entrar na minha contaafeto e pertencimento.

Por isso, para entender a “gravidade” da falabetano login entrar na minha contaJavier Milei na realidade argentina é preciso primeiro reconhecer que o futebol brasileiro é uma exceção, não uma regra. A relação dos argentinos com os clubes sociais, especialmente os clubesbetano login entrar na minha contafutebol, extrapola a nossa compreensão desse fenômeno porque simplesmente não o vivemos. São raros os clubes brasileirosbetano login entrar na minha contamassas.

Mas para além da questão da cultura clubística, o tema das SAD também afeta profundamente a cultura política dos clubes argentinos. É por onde se entende a rápida manifestação das diretorias.

betano login entrar na minha conta Cultura política

A socióloga Verónica Moreira, da Universidadebetano login entrar na minha contaBuenos Aires (UBA), uma das pesquisadoras mais importantes sobre as questões políticas dos clubes argentinos, observa como o rechaço à “privatização” é persistente no imaginário torcedor local. A própria Moreira destaca o problema semântico do termo “privatização” – afinal, clubes são associaçõesbetano login entrar na minha contadireito privado –, que deve ser entendido como uma palavra-de-ordem contrária à entrega do clube para grupos empresariais externos.

Também diferente do que se deu no debate sobre as SAFs no Brasil, o entendimento do hincha argentino comum sobre o controle político dos seus clubes é muito distinto. Isso ocorre, principalmente, porque eles são sujeitos políticos ativos, não meros espectadores dos restritos debates políticos internos.

Eleiçõesbetano login entrar na minha contaclubes na Argentina são massivas, superando a marcabetano login entrar na minha conta10 mil votos mesmobetano login entrar na minha contaagremiações mais modestas (a títulobetano login entrar na minha contacomparação, a maior eleição do Vasco teve cercabetano login entrar na minha conta5,2 mil votos), sendo Boca Juniors e River Plate donosbetano login entrar na minha contaalgumas das maiores eleições já registradasbetano login entrar na minha contaclubesbetano login entrar na minha contafutebolbetano login entrar na minha contatodo o planeta.

Por causa disso, o tema das SAD na Argentina encontra duas grandes barreiras. Primeiro, porque o pertencimento clubístico local é diretamente ligado a uma relação política ativa, constante e irredutível. Segundo, porque os dirigentes dos clubes não se sentem confortáveisbetano login entrar na minha contacogitar apoiar a ideia das SADs, pois isso tem um custo político muito alto.

Grandes eleiçõesbetano login entrar na minha contaclubesbetano login entrar na minha contadiferentes países — Foto: Irlan Simões

Um exemplo disso é o Racing Club, quando era dirigido pelo empresário Victor Blanco. Muito próximo do ex-presidente Mauricio Macri e sempre escorregadio sobre as ideiasbetano login entrar na minha contavenda dos clubes, Blanco foi pressionadobetano login entrar na minha conta2018 a se pronunciar publicamente contra as SAD. “Racing expressa seu desejobetano login entrar na minha contacontinuar construíndo seu destino a partir da vontadebetano login entrar na minha contasua gente”.

Essa pressão, exercida pelos sócios (especialmente os que apoiavambetano login entrar na minha contagestão) acabou contaminando todos os outros clubes locais. À época, o então presidente do país Maurício Macri – que foi eleito na carona do sucesso do Boca Juniors, clube que comandou ao longobetano login entrar na minha contamaisbetano login entrar na minha contauma década –, buscava aprovar um projetobetano login entrar na minha contalei que obrigasse os clubes locais a adotar tal modelo.

O anobetano login entrar na minha conta2018, por sinal, marcava os 20 anos da última iniciativa vivida pela Argentina no sentidobetano login entrar na minha contaimpulsionar as SADs. Em 1998, o protagonista do movimento era o próprio Macri, ainda presidente do Boca, que buscava mobilizar os clubes a votar uma reforma do estatuto da AFA (a CBF argentina), que passaria a autorizar clubes filiados a se constituírem como empresas.

Diversos clubes experimentaram intensas manifestações internas contra a proposta, forçando seus dirigentes a rejeitar o modelobetano login entrar na minha contaSAD, o que resultou na derrota do projetobetano login entrar na minha contaMacri.

A saída à época foi autorizar aos clubes a adoção do modelobetano login entrar na minha conta“gerenciamiento” (concessão),betano login entrar na minha contaque a gestão do futebol era entregue a uma empresa privada por um prazo estabelecido. O pioneiro foi o Racing Club, quebetano login entrar na minha conta2001 viveu um primeiro ano mágico (vencendo um título após 35 anos), mas depois entrou numa imensa crise, com a empresa Blanquiceleste S.A abrindo dez pedidosbetano login entrar na minha contafalênciabetano login entrar na minha contaoito anos. Em 2008 o clube retomou o controle do futebol.

O caso Racing ainda nem havia se mostrado tão fracassado quando o Club Atlético San Lorenzobetano login entrar na minha contaAlmagro (CASLA) foi alvobetano login entrar na minha contauma ofertabetano login entrar na minha conta“gerenciamiento”betano login entrar na minha conta2001, o que suscitou uma sériebetano login entrar na minha contamanifestações contrárias da parte da torcida (que também é feitabetano login entrar na minha contasócios com direito a voto). Um protestobetano login entrar na minha contafrente ao clube ganhou visibilidade após repressão policial e consolidou uma palavra-de-ordem que persiste até os dias atuais: “Siempre CASLA, nunca SA”.

A saga dos torcedores que barraram a venda do CASLA para uma S.A. foi eternizada numa música da barra La Gloriosa Buteler, que pode ser ouvida no vídeo (letra traduzida logo abaixo):

“Já são 100 anos que bate esse sentimento
Quiseram te privatizar, mas eu não te vendo
Ainda dizem que estamos malucos
Aguentamos o rebaixamento, fizemos um estádio novo
Eu quero a banda, fazendo festa e bebendo
Sabemos que vamos voltar a Boedo
A tanta loucura não há explicação
Se desde moleque estou junto contigo
Tanto sentimento, tanto carnaval
Nos fez Gloriosa pela eternidade”

Para entender como torcedoresbetano login entrar na minha contaoutros países se relacionam com seus clubes, primeiramente precisamos sair do Brasil. Somos a exceçãobetano login entrar na minha contatermosbetano login entrar na minha contacultura clubística e cultura políticabetano login entrar na minha contaclube. Embora cada realidade expresse uma infinidadebetano login entrar na minha contaquestões socioculturais e político-econômicas próprias, a noçãobetano login entrar na minha conta"pertencer ao clube" é muito mais contraditória e fora da curva do ladobetano login entrar na minha contacá da fronteira.

É mais fácil ao português, ao espanhol e ao alemão entender a realidade da Argentina do que a nós, brasileiros e vizinhos, que quase não temos clubes sociaisbetano login entrar na minha contamassas, como os que esses países construíram ao longobetano login entrar na minha contatanto tempo por lá. E está cada vez mais urgente a compreensão dessas questões (leia aqui).

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- Irlan Simões (@irlansimoes) é autor do livro “A Produção do Clube: poder, negócio e comunidade no futebol” (2023).

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