Duelos espetaculares, dramas que aceleram o coração das torcidas, craques se despedindo, craques surgindo, torcedoresêxtase (oulágrimas)... A história da Copa do Mundo Feminina2023 será contada muito mais pelo viés esportivo do que pelas bandeiras que ainda se levantam, e devem ser levantadas, na modalidade.
Se o Mundial2019 entrou para a história pelo necessário e essencial protesto por "Equal Pay", que alavancou a discussão por equidade salarial e iniciou uma ondamudançasdiversos países, o2023 está empolgando pela alta qualidade do futebol. E uma coisa não desmerece a outra. Em 2019 também vimos grandes times. Em 2023, ainda precisamos levantar bandeiras (as do passado e outras que estão chegando).
As causas que são muito caras à modalidade - equidade salarial eestruturatrabalho, direitos básicos das mulheres, incluindo assistência às jogadoras na maternidade, representatividade das pessoas LGBTQIA+ e outras reivindicações históricas - continuam na pauta das jogadoras. E sempre estarão, porque isso também faz parte do Mundial Feminino.
Só que agora também podemos celebrar que, mesmo com tanto ainda a resolver, dentrocampo - e nas arquibancadas, nas Fan Fests, nas ruas, pela TV - nós estamos vendo uma senhora Copa do Mundo.
Copa do Mundo Feminina entra na última semana como um sucessopúblico
Essa é a grande vitória da competição que chega este ano ànona edição. O clima vivido na Austrália e na Nova Zelândia foiuma grande festa esportiva, como acontecequalquer Mundial, por acaso dessa vez jogado por mulheres. Não existe diferença, na paixão e na qualidadecampo, do Mundial dos homens.
Horaabrir aquele eterno parênteses para explicar aos que ainda bradam "Está comparando futebol feminino com masculino?!?!?". Para o jogo das mulheres ter qualidade não é necessário que elas "vençam" um time masculino. É o mesmo esporte, mas são modalidades distintas. Como no basquete, vôlei, natação, atletismo, tênis...
Se não há uma invasãotorcidas estrangeiras por aqui - a distância, que ajuda a elevar os custos, contribuiu bastante para isso -, a súbita empolgação dos australianos com a campanha das Maltildas, como é conhecida a seleção femininafutebol, compensou a diversidadeidiomas. Um esporte não tão popular no país se transformouverdadeira febre nacional.
A qualidade da Copa Feminina pode, sim, ser comparada à Masculina porque houve um maior nivelamento entre as equipes, gerando disputas cada vez mais imprevisíveis e emocionantes. Em resumo: vimos vários jogostirar o fôlego por aqui. Também porque o nível técnicoquase todas as 32 seleções foi excelente.
Não teve oportunidadeacompanhar muitos jogos, talvez por causa do horário pouco convidativo? Está achando exagerada a análise? Aproveita esta semana e veja a reta final da competição, com as semifinais Espanha x Suécia e Austrália x Inglaterra. E não perca a decisãodomingo.
O bom futebol jogado nesta Copa é reflexoalguns saltos gigantescos dados pela modalidade nos últimos anos. Físico,primeiro lugar. E essa evolução atlética levou o jogo a um novo patamar tático, mesmo equipes que não têm muita tradição agora conseguem ao menos oferecer alguma resistência às favoritas. Com boa preparação física, é possível seguir o planejamento tático durante os 90 minutos.
E, claro, não podemos esquecer da técnica e do talento das jogadoras, que sempre existiu, embora por muito tempo tenha ficado escondido. Com resistência física e plano tático, aí é que o talento desabrocha ainda mais. A primeira Copa Feminina com 32 seleções mostrou ao mundo que quanto mais oportunidade e visibilidade elas tiverem, mais e mais pessoas ficarão espantadas ao descobrir que, sim, elas jogam muito!
Nessa Copa nós vimos que o futuro da modalidade está mais do que garantido. Marta pode se despedir tranquila, seu legado já estáboas mãos. Ou melhor,ótimos pés.
Vimos jogadoras na plenitude da carreiraação nos gramados da Oceania, como as australianas Caitlin Foord e Hayley Raso (ambas28 anos), as suecas Fridolina Rolfö (29) e Stina Blackstenius (27), as espanholas Esther González (30) e Aitana Bonmatí (25) ou as inglesas Keira Walsh (26) e Lucy Bronze (31).
Fiquei só nas semifinalistas e apenas duas jogadoras por time. Poderia citar muitas mais. Exemplos não faltaramexcelência técnica nesta Copadiversas seleções. E as revelações desse Mundial? Sente o naipe: Mary Fowler, australiana20 anos; Lauren James, inglesa21; Salma Paraluello, espanhola19; Selma Bacha, francesa22; Linda Caicedo, pepitaouro colombiana18; as americanas Sophia Smith (22) e Trinity Rodman (21).
E o Brasil? Sim, não fomos bem coletivamente, mas pode acreditar: a base para 2027 está bem encaminhada, com jogadoras como a zagueira Lauren (20 anos), as volantes Duda Sampaio (22), Angelina (23) e Ary Borges (23), a meia-atacante Kerolin (23) e a atacante Geyse (25).
Sempre haverá muito a se fazer pela modalidade, para recuperar décadasdescaso e preconceito. Mas a Copa2023, com seus jogos emocionantes, suas arquibancadas e Fan Fests lotadas, as despedidas, as novas craques se apresentando ao mundo, com todos esses ingredientes que são os pilares do futebol, a Copa2023 será lembrada como todas devem ser: uma verdadeira Copa do Mundo,toda apaixão e excelência. Por acaso, jogada por mulheres.