Por Maurício Noriega

Um cara que acha o esporte a mais perfeita imitação da vida ... ver mais

O futebol virou uma convençãomalas

Abel Ferreira não é o único mal-educado. Estamos todos insuportáveis nesse mundinho: dirigentes, treinadores, jogadores, jornalistas, influenciadores e torcedores

São Paulo


Chatice, seu nome é futebol. O alvo da vez é o treinador do Palmeiras, Abel Ferreira. Cujo comportamento é realmente péssimo à beira do gramado. Dele esua comissão técnica. Mas seria Abel um toscomeio a uma reuniãolordes ingleses e professoresboas maneiras que trabalham com futebol?

Longe disso.

A faltaeducação é esquema tático vigente no jogo mais popular do mundo. Até o Guardiola, um poliglota refinado, tem seus ataquesfúria. Klopp, outro cara chique, também sapateiavezquando.

Mas fiquemos no território nacional e nos trabalhadores estrangeiros que aqui militam.

O chilique sempre fez parte das estratégias daqueles que são chamadosprofessores – e muitos efetivamente são educadores por formação.

Abel Ferreira chuta microfone no fimPalmeiras x Flamengo — Foto: Reprodução

Chutar microfone? Até o boa praça Joel Santana já deu um bico no equipamento quando trabalhava no Sul. Felipão trocava farpas e distribuía sopapos e empurrões com alguma frequência.

Meu querido amigo Muricy Ramalho foi uma metralhadoraimpropérios à beira do gramado e nas coletivas.

Odair Helmann invadiu campo para reclamarjuiz e se recusou a cumprimentar Jorge Jesus, que outro dia deu piti porque um jogador mexeuseu tablet.

Mano Menezes deixoulado a fina ironia que utilizava para desfilar palavrões e fazer críticas pessoais.

Lembram do Cuca com o Marcos Rocha na Libertadores?

Renato Gaúcho impedindo o atleta adversáriocobrar lateral?

Abel Ferreira chuta microfone e acaba expulso

Luxemburgo poderia escrever um vade mecumpalavrões.

Telê Santana era o pesadelo dos bandeirinhas que trabalhavam à frente do seu banco.

Dunga xingava até a taça do mundo.

Tite, com seu estilo treinamentomídia, bateu boca com o Messi!

Agora passou do ponto. Com três minutosjogo, por causaum lateral, comissões técnicas e reservas invadem o campo, se jogam ao lado do quarto árbitro e protagonizam cenas teatrais que contribuem para incendiar o ambiente dos estádios. Esse comportamento é da maioria dos timestodas as séries.

Torcedores sempre acham que tudo e todos estão contra seus times, mas às vezes perseguem seus próprios jogadores, ameaçando familiares e invadindo privacidade.

Na mídia, vemos companheiros batendo boca cotidianamente, ironizando opiniões diferentes, dando recados disfarçados ou apontando o dedo para desafetos e retirando da edição o bom senso. Há uma misturapapéisjornalista, torcedor, influenciador e lídertorcida que resulta num produto indigesto.

Tudo parece estar sempre ruim. Ao analisar um grande jogo como a final da Supercopa partimos da premissa dos erros. Ora, se ninguém errar o futebol será um eterno zero a zero. O mau humor se espalha feito vírus. Eu mesmo muitas vezes saio do ar me achando um chatogalocha.

O futebol é um esporte territorial. Adepto a conceitos medievaisataque e defesa. A imprensa esportiva adora usar chavões como “Libertadores é uma guerra”, estádio tem que ser “alçapão”, pressão, intimidação e por aí vai. A busca por uma suposta emoção muitas vezes espalha óleo pelas curvas.

Somos a pátria que aplaudiu a malandragem do Nilton Santos (que, aliás, era um lorde) na Copa1962. Adotamos a práticaquecampo vale tudo e tudo fica lá dentro. A lógica do esperto e do trouxa está enraizada.

Opinião é livre, mas precisa ser responsável.

A liberdadeexpressão não nos dá o direitosimplesmente escrevermos ou dizermos o que bem entendemos. Críticas, quando baseadas no fígado e não no cérebro, trafegam num terreno pantanoso. Algumas comparações são agressivas, perigosas e abrem caminho para uma busca por reparação judicial, que é um direitoquem entende ter sido atingidouma forma exagerada. Zero espíritocorpo. Teclado e microfone não são metralhadoras ou revólveres carregados com muniçãobile.

Abel Ferreira exagera? Muito. Mas os treinadores brasileiros exageram tanto quanto ele. Muitos dos supracitados precisam disso para se motivar. Felipão sempre adorou usar um climaGrenal, fossePorto Alegre ou na China. Há competidores movidos a provocação. A tensão é tamanha que interrompe carreiras brilhantes com aMuricy para preservar a vida.

Abel Ferreira incomoda? Muito. Como Vojvoda incomoda, e Jorge Jesus incomodou. Uma parcela importante dos treinadores brasileirosfutebol está dodói com o sucesso dos estrangeiros por aqui, e não há êxito maior que oAbel Ferreira. Muitos que se incomodam fizeram fama e fortuna fora do país cumprindo o ciclo dos que agora trabalham por aqui. Sempre houve uma espéciereserva tácitamercado para os treinadores brasileirosseu território. Mas eles puderam desbravar Portugal, Arábia Saudita, Emirados, Qatar, Japão.

Felipão foirara sinceridade ao falar sobre isso recentemente.

Há um equívoco na análise da EscolaFaltaBoas Maneiras do Futebol Brasileiro. Abel Ferreira não é o único pós-graduado nessa instituição.

É preciso uma ação que envolva dirigentes, treinadores, jogadores, jornalistas, influenciadores e árbitros. Sim, árbitros, que muitas vezes são grosseiros e agressivos, xingam e ofendem, mas se escondem na proteção unilateral da súmula do jogo.

Horabaixar a fervura, porque há bons sinais dentrocampomelhora na qualidade do espetáculo e podemos tratá-lo melhor dentro e fora das quatro linhas e à beira do relvado.