Na última publicação do blog, “Flamengo: voto direto do sócio-torcedor? Entenda demanda e como são eleiçõesunibet saqueoutros clubes”, mostramos queunibet saquepaíses como Alemanha, Argentina, Espanha, Egito e Turquia as associações esportivas realizam eleições com dezenasunibet saquemilharesunibet saquevotos dos sócios.
Em contraste, ficou evidente como as agremiações brasileiras são bem menos representativas, com processos eleitorais diminutos e restritivos, independente do tamanho das torcidas que as sustentam, raramente superando 5 mil votos.
Há uma sérieunibet saquefatores históricos, culturais e políticos que explicam esse fenômeno. Um deles,unibet saquecompreensão mais difícil e pouco discutido no entre torcedores, jornalistas e pesquisadores, é a “quase democratização incidental” do início do século – como tentei definir lá no livro “A Produção do Clube”.
Trata-se da Lei n.10.406,unibet saque10unibet saquejaneirounibet saque2002, que instituiu o novo Código Civil, um conjuntounibet saqueregulamentações sobre as atividades civis,unibet saqueempresas a associações civis – onde entrariam os clubesunibet saquefutebol.
O ponto que mais impactou os clubesunibet saque2003 foi o Artigo 59:
Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral:
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I – eleger os administradores;
II – destituir os administradores;
III – aprovar as contas;
IV – alterar o estatuto.
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Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto concordeunibet saquedois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar,unibet saqueprimeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menosunibet saqueum terço nas convocações seguintes.
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Em resumo:
O novo Código Civil obrigava as “associações civis” (independente da natureza) a realizar eleições diretas junto aos sócios, atravésunibet saqueassembleias eleitorais. Também passava ao conjunto dos sócios a autoridade da apreciação das contas da gestão do ano corrente, podendo aprová-las ou reprová-las, gerando consequências políticas aos seus diretores – como inegilibilidade ou responsabilização.
Essa regulamentação do modounibet saquefuncionamento das associações civis buscava atualizar o escopo jurídico brasileiro ao que as demais democracias ao redor do mundo já praticavam há décadas. Dessa forma, ainda que sem focar exatamente nos clubesunibet saquefutebol, o Código Civilunibet saque2002 acabou regulamentando também as agremiações esportivas constituídas enquanto associações civis.
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O Código Civil era uma demanda antiga da sociedade brasileira como um todo, já que o último arcabouço robustounibet saqueleis do tipo datavaunibet saque1916. A própria Ditadura Militar entendia a importância dessa atualização, razão pela qual o próprio Poder Executivo, à época comandado por Ernesto Geisel, apresentou o Projetounibet saqueLei n.634unibet saque1975.
Esse PLunibet saque1975 foi a base do texto aprovado quase 30 anos depois, sendo discutido outras vezes pela Câmara dos Deputados (1975 e 1998) e pelo Senado Federal (1984), sem jamais ser aprovado. O Artigo 59 esteve basicamente intacto ao longounibet saquetodo esse processo.
E foi um problema que, aparentemente, nenhum cartola percebeu, mesmo que muitos parlamentares fossem vinculados a clubesunibet saquefutebol. A Folhaunibet saqueSP, na matéria “Dirigentes fazem críticas e pedem mudanças” (17/02/2003), traduz o seu efeito à época:
"Uma das últimas mudanças, embora não específica da legislação esportiva, foi feita pelo novo Código Civil. Publicadounibet saque2002, eunibet saquevigência desde janeiro passado, diz respeito à estrutura das associações esportivas e pode significar o fimunibet saquecolégios eleitorais que mantêm no cargo, por anos a fio, dirigentes como Alberto Dualib, presidente do Corinthians, e Mustafá Contursi, do Palmeiras.
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Pelo novo código, a partir das próximas eleições ficaunibet saquepoder da assembléia geral dos sócios — e nãounibet saqueum conselho fechado, como acontece atualmente — a escolha dos novos dirigentes. Mas clubes e federações dizem que não irão alterar o sistema, sob o argumentounibet saquea Constituição Federalunibet saque1988 assegurar autonomia organizacional a eles"
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Aqui há um fato curioso, que talvez explique a “desatenção” dos cartolas.
Nos anos anteriores, os esforços dos dirigentes esportivos estiveram voltados para derrubar uma interferência previstaunibet saqueoutra norma: a Lei Pelé (9.615/1998), que havia sido aprovada com a obrigaçãounibet saqueque clubesunibet saquefutebol adotassem o modelo empresarial (como sociedades anônimas).
A deturpação da Lei Pelé se deuunibet saqueconsecutivas reformas, que adiaram o prazounibet saqueadaptação dos clubes, com uma definitiva derrubada do seu caráter obrigatório na “Lei Maguilo Vilela”(9.981/2000). Os clubes alegavam que essa “intervenção” feria a autonomia das associações civis, prevista no artigo 217 da Constituição Federal.
Esse argumento foi praticamente o mesmo para desconsiderar a validade do novo Código Civil. Para os cartolas, os clubes não poderiam ser obrigados a adotar um tipo específicounibet saqueestatuto social, nem um modelo específicounibet saqueeleição ouunibet saquesoberania da Assembleia Geral sobre o “conselho deliberativo”.
Há uma discussão jurídica bastante densa sobre o assunto, mas parece claro que não há correlação entre as duas questões. O funcionamento das associações civis é regulamentado por leiunibet saquetodas as democracias do planeta, mas no Brasil as “regras estatutárias” dos clubes estiveram historicamente restritas às “decisões internas” exatamente pela faltaunibet saqueum Código Civil atualizado.
Espanha e Portugal, por exemplo, fizeram suas reformas após o fim das respectivas ditaduras (Francisco Franco e António Salazar), entre as décadasunibet saque1970 e 1980. É o processo histórico que explica como, na atualidade, o Barcelona realiza eleições com 57 mil sócios e como o Benfica mobiliza maisunibet saque40 mil votos – como mostramos no texto anterior.
O fato é que os cartolas agiram e conseguiram fazer com o Código Civil a mesma coisa que ocorreu à Lei Pelé. Sucessivas alterações na lei protelaram o prazounibet saqueadaptação das associações esportivas, com uma alteração final no PLV 12/2005, do deputado Arnaldo Fariaunibet saqueSá (PTB/SP) – ou seja, três anos depois –, que atacou diretamente todos os artigos que eram alvosunibet saquequestionamento dos dirigentesunibet saqueclubes.
Especialmente o Artigo 59:
Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral:
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I – (excluído)
I – destituir os administradores;
II – (excluído)
II – alterar o estatuto.
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Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quórum será o estabelecido no estatuto, bem como os critériosunibet saqueeleição dos administradores. (alterado)
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Em resumo:
A nova leiunibet saque2005 soterrou a soberania da assembleiaunibet saquesócios na eleição dos administradores (inciso I), e só foi mantida a incumbênciaunibet saquedestituição dos administradores (inciso II). O mesmo tipounibet saquelimitação ocorreria com a apreciação das contas (inciso III).
Ou seja, a destituiçãounibet saqueuma diretoria teria que passar pela assembleia geral (processo mais longo e complexo), mas a eleiçãounibet saqueuma diretoria passaria exclusivamente pelo crivo do conselho deliberativo. A apreciação das contas também se resumiria ao conselho deliberativo, cuja composição também seriaunibet saque“autonomia” das associações.
Arnaldo Fariaunibet saqueSá, autor do PLV 12/2005, havia sido presidente da Portuguesa-SP entre 1990 e 1993. O parlamentar também teve atuação intensa quando da Lei Zico e da Lei Pelé,unibet saqueacordo com a dissertação “Gruposunibet saqueinteresse e o processounibet saquemodernização do futebol brasileiro”,unibet saqueThiago Hinojosa Belmar, defendidaunibet saque2016 na FFLCH/USP.
O mesmo estudo aponta que Fariaunibet saqueSá legislou ao ladounibet saquefiguras como o então presidente do Vasco Eurico Miranda (PL/PPB-RJ); o então ex-presidente presidente do Flamengo Marcio Braga (PMDB-RJ); o então vice-presidente do conselho deliberativo do Atlético-GO Jovair Arantes (PSDB/PTB-GO); o ex-presidente do Vitória José Alves Rocha (PFL-BA); o futuro presidente do Bahia Marcelo Guimarães Filho (PFL-BA); o então presidente do Sport Luciano Bivar (PSL-PE), o então ex-presidente do Cruzeiro Zezé Perrella (PFL-MG) e muitos outros parlamentares ligados a clubesunibet saquefutebol.
Juntos, compunham a chamada “Bancada da Bola”, cuja atuação também se deuunibet saqueoutras ocasiões importantes, como as aprovações da Timemania (nova loteria esportiva), do Estatuto do Desporto (1998) e da Lei n. 5186/2005 (que alterou a Lei Pelé). Essa frente parlamentar esteveunibet saqueevidência na “CPI CBF/Nike”unibet saque2011, que revelou doaçõesunibet saquecampanha diretas da Confederação Brasileiraunibet saqueFutebol, à época comandada por Ricardo Teixeira.
Ainda que o assunto volte a ser discutido no futuro, não há mais espaço para mudançasunibet saqueordem legal. No dia 10unibet saqueagostounibet saque2005, apenas treze dias após a apresentação do PL que derrubava a soberania da assembleiaunibet saquesócios nos clubes, uma Ação Diretaunibet saqueInconstitucionalidade (3045/2005) foi votada pelo STF, que declarou por unanimidadeunibet saqueprocedência.
A teseunibet saque“hiper-autonomia” defendida por juristas e políticos ligados aos clubesunibet saquefutebol foi consagrada na mais alta corte do país, com a participação diretaunibet saqueconselheirosunibet saqueclubes, como Ives Gandra Martins e Carlos Miguel Aidar, ligados ao São Paulo Futebol Clube.
Esse processo histórico pouco conhecido explica duas coisas importantes.
Primeiro: a diferença entre os modelos dos clubes brasileiros, que temunibet saqueclubes com Internacional e Grêmio eleições massivas, com maisunibet saque20 mil votos diretos (porque adotaram o Código Civil no início do século);unibet saquecontraste com clubes que elegem presidentes apenas através do Conselho Deliberativo, com um número irrisóriounibet saqueparticipantes (porque protelaram a adoção até a derrubada da norma).
Segundo: a atuação parlamentarunibet saquedeputados relacionados a clubesunibet saquefutebol não tinha grandes princípios, senão ounibet saquepreservar o poder desses mesmos nos seus clubes. Assim como impediram a transformação obrigatória dos clubesunibet saqueempresas na Lei Pelé,unibet saque2000; também foram ferozes atores políticos contra a “democratização incidental” que seria causada pelo novo Código Civil,unibet saque2005.
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- Irlan Simões (@irlansimoes) é autor do livro “A Produção do Clube: poder, negócio e comunidade no futebol” (2023).