A ComissãoÉtica da CBF acredita ser "impossível afirmar" que houve assédio sexual do presidente afastado da entidade, Rogério Caboclo, contra a funcionária para quem ele perguntou "você se masturba?". A decisão, à qual o ge teve acesso, foi tomada por três integrantes da comissão: Amilar Fernandes Alves, Marco Aurélio Klein e Carlos Renato Azevedo Ferreira
A conversaque Caboclo fez perguntas sobre a vida íntima da funcionária foi gravada por ela e revelada pelo Fantástico6junho. A ComissãoÉtica da CBF divulgou a decisão na última terça.
Ouça áudios da denúnciaassédio contra Rogério Caboclo, afastado da presidência da CBF
Os três membros da comissão descartaram a acusaçãoassédio sexual e sugeriram uma suspensão15 meses por conduta inapropriada, pena que precisa ser aprovada pela Assembleia Geral, composta pelos presidentes das 27 federações estaduais. Se essa punição for aplicada, Rogério Caboclo volta à presidência da CBFsetembro2022, antes da conclusãoseu mandatoabril2023.
– É impossível afirmar que houve assédio sexual – escreveu o relator do caso, Amilar Fernandes Alves, na decisão. Sua argumentação foi acompanhada por Marco Aurélio Klein e Carlos Renato Azevedo Ferreira, que é o presidente da ComissãoÉtica.
Amilar Alves sustentou que "a narrativa da denunciante pode, realmente levar a entender que havia assédio sexual, pois alguns dos diálogos apresentados possuíam conotação sexual e resta mais do que clara a superioridade hierárquica do denunciado".
Alémperguntar à funcionária se ela se masturba, na conversa gravada com a funcionária, Rogério Caboclo se refere à própria mulher edeterminado momento usa termos chulos para se referir aos órgãos sexuais: "Ela tem a b... dela e eu tenho o meu p...". Segundo a denúncia da funcionária, Caboclo ofereceu a ela um biscoitocachorro, a chamou"cadelinha", e expôs a vida pessoal da vítimauma reuniãodiretoria da CBF.
O relator do caso na ComissãoÉtica, Amilar Alves, preferiu dar mais peso aos pareceresjuristas contratados por Rogério Caboclo para descaracterizar a denúnciaassédio sexual.
– Por outro lado, a defesa do denunciado incluiu pareceresrenomados juristas, majoritariamente com vocação para o Direito Penal, expondo, aduzindo e explicando as razõesnão existir assédio sexual. Logo, podemos encontrar um cenário dúbio, sem a clareza e a certezaque houve, ou não, o assédio sexual. Assim, não seria razoável afirmar, categoricamente, que estão presentes os elementos caracterizadores do assédio sexual.
Em outro trechoseu voto, Alves conclui:
– Assim, consubstanciados nos depoimentos, testemunhas, e provas trazidas aos autos, é impossível afirmar que houve assédio sexual.
O segundo a votar foi Marco Aurélio Klein, que acompanhou o voto do relator, mas apresentou uma argumentação diferente. Em seu voto, Klein citou especificamente um artigo do CódigoÉtica que trataassédio sexual. Ele mencionou ainda o artigo que diz:
– Todos os segmentos do futebol devem estar profundamente comprometidos com o repúdio ao racismo, à xenofobia e a quaisquer outras formasdiscriminação e intolerância social, política, sexual, religiosa e socioeconômica.
Klein também escreveu que Rogério Caboclo cometeu "um pacoteviolações éticas" e citou especificamente dois incisos do Artigo 5 do CódigoÉtica.
Um deles proíbe pessoas ligadas ao futebol brasileiro"praticar assédioqualquer natureza, inclusive moral ou sexual" e o outro"fazer usosubstâncias psicoativas ilegaisquaisquer instalações da CBF, das Federações, das Ligas e dos Clubes, ousituações que possam comprometer a imagem institucional da entidade da qual faça parte".
Embora tenha apresentado argumentação diferente da usada pelo relator Amilar Alves, Marco Aurélio Klein escreveu que acompanha o voto do relator – que desqualificou a denúnciaassédio sexual – e fixou a punição15 mesessuspensão.
Carlos Renato Azevedo Ferreira classificou o voto do relator Amilar Alves como "irretocável no tocante ao correto enquadramento tanto da denúncia quanto das defesas" e afirmou que acompanha "integralmente" seus termos.
A decisão da ComissãoÉtica da CBF causou grande reação dentro do prédio da entidade. Funcionárias e ex-funcionárias da confederação afirmaram a interlocutores que a se sentiram desrespeitadas e desprotegidas.
Integrantes da Assembleia Geral da CBF, os presidentes das 27 federações estaduais também se surpreenderam com o que consideraram uma decisão frouxa. Eles assinaram uma carta aberta a Rogério Caboclo, na qual pedem que ele renuncie ao cargopresidente, mas o dirigente descartou a hipótese. Em nota, Caboclo também afirmou que "a rejeição da acusaçãoassédio é correta e era esperada".
Outro trecho do voto do relator Amilar Alves que foi acompanhado pelos outros dois integrantes da ComissãoÉtica tratou da parte da denúnciaque a funcionária da CBF acusa Rogério Cabocloconsumir bebida alcoólica durante o expediente eviagens a trabalho.
Na denúncia que apresentou, a funcionária afirmou que Caboclo trabalhava "frequentemente alcoolizado, iniciando o consumobebida alcoólica durante o expediente e na presençadiversos empregados".
– Por diversas vezes o Sr. Rogério Caboclo me dava ordens para colocar garrafasbebida alcoólica no banheirosua sala e que também removesse garrafas vazias, sempre no intuitopermiti-lo consumir bebida alcoólica dentro da CBF.
No depoimento que deu à ComissãoÉtica, a funcionária contou que durante as viagens a trabalho era orientada a pedir garrafasvinho emprópria conta nos hotéis, para não lançar o consumo na contaCaboclo. Ela também apresentou capturastela do celular com mensagens do então presidente solicitando as bebidasviagens, entre elas algumas pagas pela Conmebol.
Uma reportagem do ge publicada no dia 14julho revelou quepelo menos 11 ocasiões entre fevereiro2020 e fevereiro2021, Rogério Caboclo pediu paraassistente pessoal providenciar garrafasvinho na sede da entidade ouviagens a trabalho.
Essas informações foram descartadas por Amilar Alves, relator do caso na ComissãoÉtica da CBF,seu voto sobre Rogério Caboclo. Ele escreveu:
– Verificada a classificação e entendimento do alcoolismo como doença, não é possível e razoável aplicar qualquer tipopunição ao denunciado pelos fatos narrados na denúncia.
Amilar Fernandes Alves, 31 anos. Foi o relator do caso. Advogado, trabalhou na CBF entre 2009 e 2016.
Marco Aurélio Klein, 70 anos. Foi diretor da Federação PaulistaFutebol quando Rogério Caboclo também era diretor, ambos na gestãoMarco Polo Del Nero. Foi Secretário Nacional da Autoridade BrasileiraControleDopagem (ABCD).
Carlos RenatoAzevedo Ferreira, 74 anos. É o presidente da ComissãoÉtica da CBF e desembargador aposentado do TribunalJustiça do São Paulo.
No total são três mulheres que afirmam ter sido assediadas por Rogério Caboclo. Os três casos foram revelados pelo ge. O dirigente nega todas as acusações.
No dia 4junho, uma funcionária o acusouassédio sexual e assédio moral. O segundo caso foi revelado no dia 9agosto, quando uma ex-funcionária,depoimento ao Ministério Público, afirmou ter sofrido assédio. O terceiro caso foi publicado no dia 20agosto, e incluiu também acusaçõesagressão. O parecer da ComissãoÉtica diz respeito apenas à primeira denúncia.
Dois dias depois da primeira denúncia,6junho, Caboclo foi afastado da presidência da CBF por 30 dias, por determinação da ComissãoÉtica do Futebol. Na ocasião, a entidade informou que o processo seguiriasigilo. Em 3julho, a Comissão renovou o afastamentoCaboclo por 60 dias, até o fim da investigação, cujo parecer foi divulgado na terça.
"Recebo com tranquilidade a decisão da ComissãoÉtica do Futebol. A rejeição da acusaçãoassédio é correta e era esperada, uma vez que nunca cometi esse ato e minha defesa comprovou minha inocência. Essa decisão mostra o quão ilegal e açodada foi a decisão da mesma comissãome afastar do cargo antesabrir espaço para que eu me defendesse.
O afastamento por mais 12 meses, porvez, é injusto e ilegal. Trata-semais um capítulo da armação do ex-presidente Marco Polo Del Nero, banido do futebol por corrupção, para me tirar da CBF e reassumir o controle da entidade por meioseus aliados. Minha defesa recorrerá nas instâncias adequadas contra essa punição."