Investigação na CBF: Rogério Caboclo segue afastado da presidência
Antesser afastado da presidência da CBF, Rogério Caboclo tentou usar recursos da entidade para pagar R$ 8 milhõestroca do silêncio da funcionária que o acusouassédio sexual e moral. Ele nega as acusações.
O plano fracassouduas frentes. A diretoria se recusou a endossar o usodinheiro da CBF para um acordo dessa natureza. A funcionária rejeitou as condições propostas por Caboclo e o denunciou à ComissãoÉtica da CBF no dia 4junho. Dois dias depois, o dirigente foi afastado do cargo – primeiro por 30 dias, depois por mais 60.
Duas minutascontratos obtidas com exclusividade pelo ge revelam que Caboclo, por meiodois advogados (que não são os atuais), participou da negociação, que se arrastou por pelo menos seis semanas antesnaufragar.
Após a publicação da reportagem, Rogério Caboclo enviou uma nota na qual afirma que não assinou as minutas, e nega que tenha tentado usar recursos da entidade para pagar o acordo. Trechos da nota do dirigente estão publicados ao longo do texto. A íntegra está no final.
O teor dos documentos consultados pelo ge, confirmado por entrevistas com pessoas envolvidas diretamente no caso, contradiz a versãoCaboclo.
Uma das minutascontrato detalha como seria feita a rescisãocontratotrabalho com a funcionária, que trabalha na CBF desde 2012 e estálicença médica desde 9abri2021. De acordo com este documento, que tem como partes a CBF e a funcionária (e não Rogério Caboclo), assim seria feito o pagamento dos R$ 8 milhões:
- R$ 4,4 milhões pagos à vista
- 29 parcelas mensaisR$ 68.965,52
- R$ 1,6 milhãouma vez ao final dos pagamentos mensais
A minuta, com data17maio2021, não foi assinada porque os diretores da CBF se opuseram, segundo uma nota enviada pela própria confederação à reportagem:
– A CBF informa que o referido documento foi produzidoforma unilateral pelo presidente afastado e não chegou a ser assinado, pois a Diretoria detectou que o mesmo estavadesacordo com as políticasgovernança e conformidade da entidade, uma vez que o acusado pretendia utilizar recursos da CBF para resolver um assunto estritamente particular.
Um dos motivos pelos quais diretores da CBF se recusaram a assinar é porque o acordo previa pagamento e enviocartarecomendação para a funcionária fazer um curso da Fifa – ao custo, segundo o próprio documento,R$ 400 mil. Ninguém entendeu qual seria o sentidoinvestir na formaçãouma funcionáriasaída da entidade.
Outro ponto do documento previa indenização no valorR$ 2 milhões por uma cláusula"non compete". Ou seja, durante 60 meses ela não poderia trabalharoutro clube ou federação estadual, e por isso deveria ser remunerada pela CBF.
Em nota enviada após a publicação desta reportagem, Caboclo nega que tenha tentado usar o caixa da CBF para pagar o acordo.
– A CBF jamais poderia pagar os valores citados na reportagem, pois são absurdos, desproporcionais ao período laboral e ao salário da funcionária, alémtotalmente injustificáveis para a CBF. É importante reafirmar que o tal acordo foi rejeitado por Rogério Caboclo e nenhum contrato foi assinado por ele. Caboclo preservou o caixa da CBF e deixou claro que não aceitaria os termos apresentados.
O outro documento é um "Instrumento Particular Confidencial", que fazia referência ao acordo trabalhista e tem como partes Rogério Caboclo e a funcionária. A propostaacordo determinava as obrigações que a funcionária teria que cumprir para receber o dinheiro da rescisão trabalhista.
Esta segunda minuta teve várias versões, a última delas com data17maio, e não foi assinada porque a funcionária se recusou.
Ela ficou especialmente contrariada com dois pontos, incluídos no documento por ordem do dirigente: ter que afirmar a jornalistas que seu afastamento do trabalho se deu "exclusivamente por questõesordem médica e psiquiátrica" e querelação com Rogério Caboclo sempre foi "profissional, respeitosa, íntegra, amistosa e solidária".
Segundo o ge apurou,determinado momento da negociação o dirigente chegou a redigir um modelonota à imprensa para ser distribuída por ela quando fosse procurada para falar sobre o assunto.
A minuta tinha ainda uma cláusulaconfidencialidade que previa pagamentoR$ 5 milhões para a parte que o desrespeitasse.
Esse documento teve três versões. A defesa da funcionária tentou convencer os advogadosCaboclo a retirar as cláusulas com as quais ela não concordava – como ter que mentir sobre os motivos e elogiar o comportamento do dirigente. Mas Caboclo se mostrava irredutível.
Abaixo, as cláusulas da minuta que contrariaram a funcionária:
Parágrafo 2º - FUNCIONÁRIA declara que no exercício das suas funções laborais na CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL – CBF etoda a relação com Rogério Caboclo, sempre manteve relação profissional respeitosa, íntegra, amistosa e solidária.
Parágrafo 3º - FUNCIONÁRIA obriga-se a devolver no ato da assinatura deste instrumento todas as gravações e degravações relacionadas a CBF e Rogério caboclo, que estiverem emposse ouposse dos seus advogados e terceiros.
Parágrafo 4º - FUNCIONÁRIA obriga-se a declarar para todos os jornalistas que lhe procuraram e procuraram a CBF, que seu afastamento do trabalho deu-se exclusivamente por questõesordem médica e psiquiátrica, como depressão aguda, síndrome do pânico e ansiedade, decorrentes exclusivamentequestões familiares [...] Que sempre teve na CBF com seus funcionários e dirigentes uma relação profissional respeitosa, íntegra e solidária, mas infelizmente neste momento encontra-se impossibilitadaretornar ao trabalho conforme laudos médicos que possui. Pedir que se abstenhampublicar as absurdas notícias que vem sendo vinculada a seu respeito.
Parágrafo 5º - FUNCIONÁRIA obriga-se a revelar quais as pessoas que ela passou o áudio, bem como quem a orientou e lhe deu suporte para realizar as gravações que diz termãos.
A denúnciaassédio moral e sexual foi apresentada à ComissãoÉtica da CBF no dia 4junho, mas as negociações para tentar que isso não acontecesse começaram bem antes.
Na acusação, a funcionária descreve uma sériemomentosque foi alvo do comportamento inadequadoRogério Caboclo desde janeiro2020, quando passou a trabalhar comoassessora pessoal.
As situações mais graves ocorrerammarço2021, quando o dirigente a chamou à sala dele no prédio da CBF, iniciou uma conversa sobre a própria intimidade e depois perguntou à funcionária se ela se masturbava. Uma semana antes, numa sessãotrabalho na casaCabocloSão Paulo, o dirigente a chamou"cadelinha", ofereceu biscoitocachorro e latiu para ela.
Ouça áudios da denúnciaassédio contra Rogério Caboclo, afastado da presidência da CBF
A funcionária, que havia gravado algumas dessas conversas (ouça no vídeo acima), se licenciou por motivossaúde no dia 9abril. Cercadez dias depois, começaram as negociações entre advogadosRogério Caboclo e advogados dela.
Segundo o ge apurou, a funcionária inicialmente não fez pedidoindenização. Ela queria continuar trabalhando na CBF, mas exigia que o presidente fosse afastado do cargo e responsabilizado porconduta. Rogério Caboclo sempre se recusou a discutir essa possibilidade.
A partir daí, a negociação evoluiu para uma compensação financeira. Advogados das duas partes chegaram ao valorR$ 8 milhões. O valor seria pago pela CBF. Mas Caboclo também demandava a assinatura dela num segundo documento, o tal "Instrumento Particular Confidencial" – o que ela não topou.
Em nota enviada após a publicação desta reportagem, Caboclo enviou uma nota na qual acusa o ex-presidente da CBF Marco Polo Del Nero e o vice-presidente Castellar Guimarães Netoparticiparemum complô contra ele.
– Em 12abril, o vice-presidente Castellar Modesto Neto, sem prévio agendamento, foiBelo Horizonte para o RioJaneiro e abordou Rogério Caboclo como interlocutor da funcionária, exibindo o áudio que seria usado para sustentar a acusação.
Procurado, Castellar respondeu por meionota enviada ao ge:
– No dia 12abril, tive a oportunidadeconversar com o Presidente afastado, Rogério Caboclo, a respeito dos fatos, que já eramconhecimentoinúmeros diretores e funcionários. Como vice-presidente, advogado, especialista e mestreDireito Penal, destaquei a gravidade da situação. Nunca participei, no entanto,qualquer tiponegociação entre as partes.
Em outro trecho da nota que enviou à reportagem, Caboclo afirma que foi Marco Polo Del Nero quem fez chegar a ele uma ofertaR$ 12 milhõestroca do silêncio da funcionária. A defesa dela nega. Del Nero foi procurado pela reportagem, mas não respondeu.
Numa carta enviada a presidentes das 27 federações estaduais no dia 23junho, Caboclo escreveu ter provasque "terceiras pessoas, falando supostamentenome da funcionária, procuraram entabular negociaçãoque exigiram inicialmente R$ 12 milhões [...] para que essa denúncia não fosse tornada pública. Ao final, fizeram proposta definitiva no valorR$ 8 milhões". O presidente afastado da CBF escreveu ainda que preservou o caixa da CBF e não cedeu à chantagem:
– Rejeitei a negociação e encerrei o assunto no dia 04/06/21, às 11h28, para os mesmos interlocutores que me trouxeram as propostas e que me cobravam uma posição urgente. Curiosamente, a denúncia contra mim foi protocolada no mesmo dia às 13h55.
Segundo o ge apurou, foi a funcionária quem pôs fim às negociações. Em 2junho, quarta-feira, dois dias antes da apresentação da denúncia, ela comunicou seus advogados a intençãofazer a denúncia. A informação foi repassada aos advogadosCaboclo. Até o diaque ela apresentou a denúncia, eles insistiram para que ela aguardasse até a segunda-feira, 7junho. Em vão.
A denúncia foi apresentada à ComissãoÉtica no dia 4, uma sexta-feira. Dois dias depois, no domingo, o dirigente foi afastado da presidência da CBF por 30 dias. No dia 3julho, a punição foi prorrogada por mais 60 dias. Rogério Caboclo recorreu ao STJD para tentar derrubar a punição. O tribunal recusou o pedido do presidente afastado da CBF.
O caso da funcionária que denunciou Caboclo é investigado hojetrês instâncias: a ComissãoÉtica da CBF, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público do RioJaneiro.
•A propostanegociação com a funcionária partiuMarco Polo Del Nero, ex-presidente da CBF banido do futebol por corrupção e alvorecente operação da Polícia Federal. Ele é o autor da ideia e também escreveupróprio punho, a proposta inicialmaisR$ 12 milhões que, por fim, foi reduzida para R$ 8 milhões;
•A autoria do documentoque Del Nero fez a proposta absurda, feita à mão por ele mesmo, já foi comprovada por perícia grafotécnica reconhecida;
•Vale destacar que um representanteMarco Polo Del Nero apresentou o documento
•O presidente Rogério Caboclo, por outro lado, jamais constituiu advogado para atuarqualquer negociação e não assinou nenhum contratoqualquer natureza com a funcionária e, portanto, inexistente no mundo jurídico;
•A CBF não pagaria o citado curso para a funcionária nem faria recomendação para ela;
•Por uma questão normativa, funcionários da CBF recebem suas diárias por ocasião das viagens e não no momento da rescisão;
•A CBF jamais poderia pagar os valores citados na reportagem, pois são absurdos, desproporcionais ao período laboral e ao salário da funcionária, alémtotalmente injustificáveis para a CBF;
•É importante reafirmar que o tal acordo foi rejeitado por Rogério Caboclo e nenhum contrato foi assinado por ele;
•Caboclo preservou o caixa da CBF e deixou claro que não aceitaria os termos apresentados;
•A funcionária disse que teria sido ofendida e humilhada16março, diaque gravou clandestinamente Rogério Caboclo, mas só pediu afastamento do trabalho9abril, tendo trabalhado por todo esse período normalmente;
•Em 12abril, o vice-presidente Castellar Modesto Neto, sem prévio agendamento, foiBelo Horizonte para o RioJaneiro e abordou Rogério Caboclo como interlocutor da funcionária, exibindo o áudio que seria usado para sustentar a acusação;
•Rogério Caboclo foi informado que, no dia seguinte, 13abril, houve um encontro privado na casa do ex-presidente da CBF Del Nero, que foi banido do futebol, entre ele, Castellar, a funcionária e a irmã dela;
•Cercaum mês após gravar Rogério Caboclo, a funcionária apresentou um atestado médico para afastamento do trabalho por motivosaúde originado por questão familiar;
•Caboclo rejeitou definitivamente a conversação e encerrou o assunto4junho, às 11h28. Curiosamente, a acusação contra Caboclo foi protocolada pela funcionária no mesmo dia, às 13h55. Dois dias depois,6junho (domingo),decisão sem precedentes,um fimsemana, sem ter sido ouvido ou ter tido acesso ao processo, Caboclo foi afastado compulsória e preventivamente do cargo;
•O manuscritoDel Nero foi recebido por Rogério Caboclo antes17maio, por meioum representanteDel Nero, incumbido das conversas desde o início, sem que Caboclo pedisse por isso ou soubesse, com antecedência, que iria receber tal proposta.