Rei a Rainha do Mar 2020: pai enfrenta o desafio junto ao filho com paralisia cerebral

Com caiaque adaptado, Rodrigo e Gabriel Rocha nadarão prova2 km na retomada do circuitonataçãoáguas abertas no domingo,Búzios, no RioJaneiro

Por Matheus Wenna, para o EU Atleta — Tel Aviv-Yafo, Israel


“Eu o empurro, mas é ele quem me leva”. Esse é a frase que pode resumir a históriaRodrigo e Gabriel Rocha, pai e filhoBarra do Piraí, no Sul Fluminense. Há sete anos, eles disputam juntos provascorrida e triatlo e, neste domingo (8), vão se aventurar pela primeira vezáguas abertas, a convite da equipe Desbravadores Mar e Terra, nadando 2 km no retorno do Circuito Rei e Rainha do Mar 2020,Búzios. Gabriel, ou Biel – como é mais conhecido –, tem 18 anos e possui um quadroparalisia cerebral com tetraplegia, ocasionados por faltaoxigenação e perdalíquido amniótico durante o parto. O jovem encontrou nas provas que disputa junto ao pai uma ferramentainclusão e desenvolvimento psicomotor.

Depoisquatro anostestes, Rodrigo desenvolveu um caiaque adaptado para nadar com Bieláguas abertas — Foto: Arquivo pessoal

Embora seja a estreia da dupla nas águas abertas, não é a primeira vez que os dois nadam juntosuma prova. Anteriormente, fizeram a partenatação (750 m) nos dois triatlos que disputaram,São Paulo, mas as etapas foram realizadasum lago. Da mesma maneira, os treinamentos, realizados na cidade vizinhaPiraí, também ocorremlago ou na piscina. O mar será um novo desafio para a dupla. Rodrigo ainda conta que,março, chegaram a cruzar um pequeno trechocerca200 mmeio a uma provabeach run, mas o desafio que os esperaBúzios será dez vezes maior.

No domingo, pai e filho disputam 2 km da prova Standard na primeira etapa do Circuito Rei e Rainha do Mar após a suspensão das provasmarço, por conta da pandemia. A meta é completar o percurso entre 40 e 42 minutos e, para isso, eles terão o suporteum amigo, o Léo. Enquanto Rodrigo, à frente, dará o máximo para bater o tempo desejado, Léo vai atrás dando suporte para o Biel.

Ex-atletanatação, Rodrigo revela que seus treinos são mais focadosadaptar as melhores condições para o filho do que propriamente na performance para o dia da prova. Mas se hoje eles chegaramuma versão do caiaque mais confortável pro Biel, nem tudo sempre foi flores. Há alguns anos, as primeiras tentativastreinar natação foram um gatilho para ele desenvolver um quadrodepressão.

– Há cercaquatro anos, veio a vontadefazer um triatlo. Eu ganhei um bote e comecei a desenvolver como ele ia ficar ali. Fizemos o primeiro treino, ainda na piscina, com ele deitado no bote, mas o Gabriel teve um quadrodepressão. O médico falou que poderia ser um picoansiedade, por ser algo novo, por ele não estar me vendo. Um ano depois, tentamosnovo com ele mais bem posicionado, mas deu depressãonovo. Fui mudando e adaptando, sempre pensandoeficiência e na segurança dele eele poder participar e interagir melhor. Foi só há três meses que achamos uma cadeira mais adequada para ele, então foram quase quatro nesse processo – conta Rodrigo.

Como tudo começou

Rodrigo e Biel na MaratonaNova York Virtual 2020 — Foto: Reprodução Instagram

Apesarsempre ter praticado atividade física, Rodrigo não costumava disputar provascorridarua. Em 2013, passeando com Biel, na época com 11 anosidade, ele encontrou um amigo e recebeu um convite que mudariavez a história da dupla.

– Um amigo daquiBarra do Piraí convidou a gente para participaruma corrida que ele ia promover. No dia da corrida, o Gabriel foi para ver, mas, quando chegou lá, ficou apontando que queria ir, então decidi levar ele. Comecei caminho e empurrando a cadeirarodas, senti que dava para troar, do trote passei para a corrida e fizemos os cinco quilômetros. Ele estava numa alegria danada e isso me deu estalo que poderia ser algo para ele se divertir melhor com as pessoas. Foi quando eu comecei a correr atrásum triciclo adaptado para ele – lembra o pai.

Para encontrar a melhor maneirarealizar o sonho do Biel, Rodrigo se inspirou na história dos americanos Dick e Rick Hoyt, também pai e filho, que há maisquatro décadas disputam provas usando um triciclo adaptado e cuja história originou filme 'Meu Pai, Meu Herói', lançado no mesmo ano. Nestes sete anos, foram diversas adaptações, três triciclos e dois caiaques até aqui.

No currículo, Rodrigo e Biel possuem mais80 provas, incluindo sete maratonas, 17 meias-maratonas, dois triatlos, um duathlon e outras corridas tradicionais como a São Silvestre e a Volta da Pampulha. E eles também já têm outras metas para o futuro. No segundo semestre2021, a dupla quer completar os 3,8 kmnatação, 180 kmciclismo e 41,195 kmcorrida do IronMan 70.3, que equivalem à metade da distância mais tradicional do triatlo endurance.

Corridarua ajudou a melhorar o quadro clínicoBiel

Rodrigo e Biel durante treinamentociclismo: esporte teve papel importante para a evolução do quadro do menino — Foto: Arquivo pessoal

Mais do que completar provas e bater metas, os desafios encarados – e vencidos – pela dupla transformaram a vidaBiel, ajudando a conscientizar as pessoas emvolta, colaborando com ainclusão e desenvolvimento psicomotor e, por fim, inspirando outros a fazerem o mesmo.

– Na questão física, a corrida ajudou muito porque eu sempre deixei eleuma condição que também dependia dele para ficar melhor, então eu dava os comandos que geravam condições motoras que contribuíram para a evolução dele – conta Rodrigo: – Para todo mundo que acompanhou, a evolução dele é notável. Ele ficou mais tranquilo, está interagindo mais e isso gerou para ele novas amizades, que é um fator crucial para a inclusão dele na sociedade, e também faz os outros enxergarem situações diferenciadas. Os próprios amigos que estão com a gente vão aprendendo que ele entende tudo, que ele vai conversar do jeito dele e as pessoas aprendem a se comunicar com ele. E isso é uma experiência que, tanto o meu filho quanto os amigos, vão carregar para o resto da vida.

O irmão mais velhoRodrigo também é portadordeficiência. Segundo ele, a experiência com o irmão lhe forneceu a coragem necessária para enfrentar os obstáculospeito aberto.

– Quando eu soube da situação do Gabriel, não entreidesesperomaneira alguma. De certa forma, era uma continuação do que eu já vivia, mas com as minhas regras, fazendo as coisas do meu jeito. Nós fomos os pioneiros da corrida inclusiva no Brasil. Hoje têm muitas equipes que correm com triciclo adaptado, mas quem começou isso foi a gente. As pessoas criticavam, diziam que era para aparecer, mas tudo o que eu vivi não me permitia ter vergonha nem medoestar ali - diz.