Ações afirmativas: a corrida liderada pelos EUA no automobilismo

Myles Rowe se tornou primeiro negro campeão na base do automobilismoapostar no flamengo hoje17 anos, desde Lewis Hamilton na GP2apostar no flamengo hoje2006; conquista evoca reflexões sobre esporte que ainda está longeapostar no flamengo hojeser inclusivo

Por Bruna Rodrigues — Rioapostar no flamengo hojeJaneiro


"O estudante deve ser tratado com baseapostar no flamengo hojesuas experiências como indivíduo, e não com base na raça". Essa foi a justificativa dada pelo presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, John Roberts, ao efetivar a inconstitucionalidade das ações afirmativasapostar no flamengo hojeuniversidades do país no último mêsapostar no flamengo hojejunho. A decisão se contrasta com um movimento lentamente adotado pelo automobilismo do país nas últimas duas décadas e cuja discussão volta à tona com o títuloapostar no flamengo hojeMyles Rowe na USF Pro 2000: programasapostar no flamengo hojeinclusão racial.

Primeiro negro na história da base da IndyCar, Rowe estreará na Indy NXTapostar no flamengo hoje2024. Ele é um dos apenas sete pilotosapostar no flamengo hojeorigem africana nas principais categorias automobilísticas da América do Norte e Europa. Além dele há Ernie Francis Jr (Indy NXT), Ugo Ugochukwu (Fórmula 4 italiana), Bubba Wallace (NASCAR Cup Series), Axcil Jefferies (Mundialapostar no flamengo hojeEndurance da FIA), Pascal Wehrlein (Fórmula E) e Lewis Hamilton (F1). Todos, também, os primeirosapostar no flamengo hojesuas respectivas modalidades.

Myles Rowe recebe bandeira quadriculadaapostar no flamengo hojeetapa da USF Pro 2000 2023 — Foto: Divulgação

Livia San'tAnna Vaz, autora da obra "Cotas Raciais (2022) explica que ações afirmativas são políticas adotadas para compensar a desigualdade entre classes. Foi justamente nos EUA que o termo surgiu pela primeira vez,apostar no flamengo hoje1935, dentro do âmbito das leis trabalhistasapostar no flamengo hojegeral e mais tardeapostar no flamengo hoje1961 já com teor racial - durante os movimentos pelos Direitos Civis.

As ações afirmativas são mais conhecidas pelas cotas raciais nas universidades e concursos públicos, e asapostar no flamengo hojegênero na política. O professor e Ministro dos Direitos Humanos Silvioapostar no flamengo hojeAlmeida, porém, as expande ao incluir "cursos preparatórios específicos para ingressoapostar no flamengo hojeuniversidades ou no mercadoapostar no flamengo hojetrabalho, programasapostar no flamengo hojevalorização e reconhecimento cultural eapostar no flamengo hojeauxílio financeiro aos membros dos grupos beneficiados"; justamente o caso dos programasapostar no flamengo hojediversidade dentro do esporte.

Myles Rowe celebra título da USF Pro 2000apostar no flamengo hoje2023 — Foto: Divulgação/IndyCar

Myles Rowe conquistou no domingo passado o título da USF Pro 2000. Esta é a segundaapostar no flamengo hojetrês categorias da Road to Indy, categoriasapostar no flamengo hojebase da IndyCar Series - a principal modalidadeapostar no flamengo hojecarrosapostar no flamengo hojefórmula fora da Europa. Com cinco vitórias e quatro pódios, ele superou o brasileiro Kiko Porto e se tornou o primeiro piloto negro a vencer uma categoriaapostar no flamengo hojebase no automobilismo desde que o heptacampeãoapostar no flamengo hojeF1 Lewis Hamilton faturou a GP2 Series (atual Fórmula 2)apostar no flamengo hoje2006.

Myles, no entanto, ficou quatro anos sem correr por dificuldades financeiras. Foi vice-campeão da USF2000apostar no flamengo hoje2022 e precisou atéapostar no flamengo hojeuma arrecadação online para seguir competindo, após ter sido descobertoapostar no flamengo hoje2020 pelo Indy Race For Equality & Change (Corrida da Indy por Mudança e Equidade).

Se o automobilismo americano "custa menos" que na Europa, ainda detém valores exorbitantes para o que a população negra, relegada à marginalidade como consequência do racismo sistêmico e dos séculosapostar no flamengo hojeescravidão, pode arcar.

Na F1, o valor necessário para custear uma carreira do kart até a F2 pode chegar a oito milhõesapostar no flamengo hojeeuros (ou R$ 42 milhões). Nos EUA, um piloto pode precisarapostar no flamengo hojequase seis milhõesapostar no flamengo hojedólares, ou R$ 29 milhões, para chegar até a IndyCar.

Myles Rowe repetiu feitoapostar no flamengo hojeLewis Hamilton, campeão da GP2 Series (atual Fórmula 2)apostar no flamengo hoje2006 — Foto: Formula Motorsport Limited/Getty Images

O Indy Race For Equality & Change foi criadoapostar no flamengo hoje2020, ainda durante a repercussão causada pelo homicídioapostar no flamengo hojeGeorge Floyd por policiais no estado do Minnesota. O programa ainda pavimentou a criação da Force Indy, equipe chefiada pelo empresário Rod Reid, que é negro. E alémapostar no flamengo hojeMyles,apostar no flamengo hojetrês anos, a iniciativa levou Ernie Francis Jr à IndyNXT, último degrau da Road to Indy. Francis obteve um pódioapostar no flamengo hojeDetroit ao chegarapostar no flamengo hojeterceiro lugar na atual temporada e é nono colocado na tabela.

O projeto da categoria capitaneada por Roger Penske se une aos esforços da NASCAR Drive for Diversity, o mais antigo dos programas do gênero; criadoapostar no flamengo hoje2004, trabalhou para formar e lançar pilotosapostar no flamengo hojeminorias raciais,apostar no flamengo hojegênero, e também profissionais como mecânicos e engenheiros. Umapostar no flamengo hojeseus graduados é Bubba Wallace, titular na Cup Series há seis temporadas e que disputa os playoffsapostar no flamengo hoje2023 com a 23XI, equipe chefiada pelo astro da NBA Michael Jordan.

Bubba Wallace celebra vitória na corrida do Kansas na NASCAR Cup Seriesapostar no flamengo hoje2022 — Foto: Chris Graythen/Getty Images

Esses dois, porém, são os únicos empreendimentos ativos para a formaçãoapostar no flamengo hojepilotos. A Fórmula 1 atendeuapostar no flamengo hoje2020 aos apelosapostar no flamengo hojeSir Lewis Hamilton e criou o projeto We Race as One (ou "Corremos Como Um"). Mas a discussão sobre diversidade racial na categoria perdeu espaço e passou a ser guiada individualmente pelo próprio piloto, e equipes como a Mercedes - esta fundouapostar no flamengo hoje2021 o "Accelerate 25", para aumentar o númeroapostar no flamengo hojefuncionários racializados e já colhe frutos do trabalho.

apostar no flamengo hoje Pontos a refletir

1. Não somos todos iguais

Ao contrário do que acredita a Suprema Corte americana, a raça, um conceito criado para justificar a escravidão africana séculos atrás, é catalisadora das experiênciasapostar no flamengo hojecada classe. Dentro do esporte, ela pode ser o fator por trás da total ausênciaapostar no flamengo hojeoportunidade, da invisibilidade ouapostar no flamengo hojemuitas chances e privilégios.

O próprio automobilismo mostra que competidores que largam numa corrida com equipamentos e pneus díspares não terão a mesma capacidadeapostar no flamengo hojecompetir; por que, então, se impõe o peso da meritocracia sob indivíduosapostar no flamengo hojesituaçãoapostar no flamengo hojedesigualdadeapostar no flamengo hojerazão da raça?

Lewis Hamilton na coletiva oficial do GP da Itáliaapostar no flamengo hojeF1apostar no flamengo hoje2023 — Foto: Stefano Guidi/Getty Images

2. Quem quer, faz

Reconhecendo que precisava superar o estereótipoapostar no flamengo hojeum "esporte branco", a NASCAR deu o pontapé inicial ao seu projetoapostar no flamengo hojeinclusãoapostar no flamengo hoje2004, embora este tenha sido alvoapostar no flamengo hojemuitas críticas por falhas estruturais nos primeiros anos e tenha demorado a engatar.

Motivada pelo desabafoapostar no flamengo hojeHamilton sobre estar sozinho na F1 após a morteapostar no flamengo hojeum homem negro, porapostar no flamengo hojevez, a IndyCar agiu - e agiu rápido ao já formar dois pilotosapostar no flamengo hojetrês anos com seu projetoapostar no flamengo hojediversidade. O tempo ou a inexistênciaapostar no flamengo hojecandidatos, portanto, não são insuperáveis quando há comprometimento com a causa.

3. A urgência existe

Opositores das cotas raciais nas universidades argumentam que o investimento educacional deve ser na educação primária e não no topo, embora pesquisas mostrem que cotistas igualam ou superam o desempenhoapostar no flamengo hojenão-cotistas nas instituições.

No esporte, porém, esse raciocínio faz mais sentido; ainda assim, não deve ser utilizado como desculpa para que não haja esforçosapostar no flamengo hojetrazer pilotosapostar no flamengo hojeorigens minoritárias para as principais categorias. O trabalho no kart e carrosapostar no flamengo hojefórmula precisa coexistir, e evitar que o mundo espere mais 20 anos para ver outro negro campeão no automobilismo.

4. Meritocracia também pode ser um mito no esporte

Um atleta deve ser recompensado pelo seu desempenho, correto? Depende. No automobilismo, quando competidores dependemapostar no flamengo hojebons equipamentos, boas oportunidades e financiamento para estarem nas melhores categorias, equipes e posições, a questão deixaapostar no flamengo hojeser exclusivamente meritocrática.

Campeão da USF Pro 2000, Myles Rowe estreará na Indy NXTapostar no flamengo hoje2024 — Foto: Divulgação

No casoapostar no flamengo hojeMyles Rowe, seu nítido talento chegou pertoapostar no flamengo hojeser totalmente suprimido pela desigualdade racial e social. Ou seja: ser muito bom não seria suficiente para ele, embora tenha sido fundamental paraapostar no flamengo hojeadmissão no Indy Race For Equality & Change. De igual modo, Lewis Hamilton pôde seguirapostar no flamengo hojecarreira após o kart pelo apadrinhamento da McLaren ainda na décadaapostar no flamengo hoje1990 mas, sem isso, poderia ter sido mais um nomeapostar no flamengo hojepotencial esquecido pelo caminho.

"Imputar exclusivamente ao indivíduo – e ao grupo ao qual ele per-tence – a responsabilidade pelas posições sociais que ocupa acaba por desconsiderar todo o contexto históricoapostar no flamengo hojevantagens,apostar no flamengo hojeum lado e, opressões, do outro (...). Neste contexto, as ações afirmativas – comumente criticadas, sob o argumentoapostar no flamengo hojeque violam o princípio do mérito – são medidas especiais indispensáveis para combater o racismo, diluir o monopólio do privilégio branco e impulsionar a desracialização hierárquica da sociedade. Por meio delas opera-se não a eliminação do mérito, mas aapostar no flamengo hojecorreção", Livia Sant'Anna Vazapostar no flamengo hoje"Cotas Raciais".

Bubba Wallace correu com camiseta e pintura como manifesto antirracista na Nascar — Foto: Jared C. Tilton/Getty Images

Enquanto o debate racial tem ganhado cada vez mais força e importânciaapostar no flamengo hojeesportes como o futebol e o basquete americano - este, pioneiroapostar no flamengo hojemuitas questões sobre o tema -, a evolução dessa problemática ainda engatinha dentro do automobilismo. Em um mundo cada vez mais pautado por um olhar mais sensível às desigualdades e indivíduos afetados por ela, é urgente que o esporte se entenda como uma parte necessária da sociedade e também reflita as mudanças cobradas e conquistadas por e para as minorias raciais nos últimos anos.

E, se há discussões dentro do âmbito esportivo sobre as diferenças entre o automobilismo europeu e americano, ao menos neste assunto, é incontestável que os Estados Unidos já estão abrindo larga vantagem à frente. Em tempos como esse, a torcida e a reza são para que esse exemplo logo seja seguidoapostar no flamengo hojetodo o mundo do esporte a motor, afinal, ainda não é tarde para promover mudanças.