Em abril deste ano, a treinadora Lindsay Camila recebeu a primeira proposta da Arábia Saudita, mas preferiu seguir no trabalho realizado no Bahia, que terminou com o primeiro título nacional da equipe no futebol feminino. O sucesso no clube baiano só fez aumentar o interesse do Al-Ittihad, clube do craque francês Karim Benzema, que,casino nationalagosto, conseguiu tirar a técnica do Tricolor.

- Não vou ser hipócrita, claro que é muito interessante conhecer uma cultura diferente, mas, na verdade, os motivos são esses, a parte monetária e a possibilidadecasino nationalser campeã, quero muito ganhar aqui.

A contrataçãocasino nationalLindsay faz partecasino nationalum processocasino nationalprofissionalização do futebol feminino na Arábia Saudita, que, nesta temporada, chegou apenas à quarta edição do seu Campeonato Feminino. Até 2018, as mulheres sequer podiam entrarcasino nationalestádios.

Mas o desenvolvimento do futebol feminino não significa altruísmo do governo saudita. O professor Ricardo Carvalho, historiador e mestrecasino nationaleducação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que interesses econômicos explicam a flexibilização.

- São muitas mudanças nos últimos anos. O avanço da globalização, o questionamento sobre o aquecimento global e os combustíveis fósseis e, como a Arábia Saudita temcasino nationaleconomia essencialmente concentrada no petróleo, há a necessidadecasino nationalse abrir para o turismo e para outras possibilidadescasino nationalcrescimento econômico. Isso só poderá acontecer com a flexibilização das rigorosas leis autocráticas da Arábia Saudita, e o esporte faz parte desse processo com a Fórmula 1, o futebol masculino e, mais recentemente, o futebol feminino. É como se fosse uma forma da monarquia saudita dizer para o mundo que é mais moderada, não é esse “bicho” feio que o mundo pinta.

É nesse processo que entra Lindsay e tantas outras profissionais que chegaram para desenvolver o futebol feminino. A treinadora brasileira tem um currículo vitorioso, com trabalho por equipes como Atlético-MG, Ferroviária (ganhou a Libertadorescasino national2020) e Bahia (campeã da Série A2casino national2024). Além disso, Lindsay tem passagens por clubes da França e seleção brasileiracasino nationalbase.

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De 2018 para cá, o futebol feminino cresceu vertiginosamente na Arábia Saudita. Em 2020 foi criado o primeiro Campeonato Feminino saudita e, dois anos depois, a Women’s Premier League, competição mais importante do país e dominada pelo Al-Nassr (vencedor das duas edições).

Linha do tempo do futebol feminino na Arábia Saudita:

• 2018: as mulheres foram autorizadas a entrarem nos estádios;
• 2019: criação do Departamentocasino nationalFutebol Feminino da Federação Sauditacasino nationalFutebol;
• 2020: primeiro ano do Campeonato Feminino da Arábia Saudita;
• 2021: fundação da seleção feminina da Arábia Saudita;
• 2022: Seleção disputacasino nationalprimeira partida internacional no amistoso contra Seychelles e vence por 2 a 0;
• 2022/2023: primeira temporada da Women’s Premier League, atual campeonato sauditacasino nationalfutebol feminino;
• 2023: Seleção da Arábia Saudita entra no ranking da Fifa (atualmente está na 174ª posição).

O Al-Ittihad, atual clubecasino nationalLindsay, é um bom exemplo da evolução da modalidade. Com cinco estrangeiras no elenco, o clube trouxe jogadorascasino nationalpesocasino nationaloutras ligas, casoscasino nationalRobe e Plumptre, que vieram do Liverpool e Leicester City, respectivamente, alémcasino nationalLetícia, campeã da Série A2 deste ano com a treinadora no Bahia.

Jogadoras estrangeiras do Al-Ittihad

• Letícia - brasileira;
• Layla Iskandar - libanesa;
• Leigh-Anne Robe - inglesa;
• Ashleigh Plumptre - nigeriana;
• Zala Meršnik - eslovena.

O objetivo principal é desbancar o Al-Nassr e vencer a ligacasino nationalforma inédita. Na temporada 2022/2023, o Al-Ittihad ficou na 5ª posição, e, no ano seguinte, fechou na 6ª colocação. Em 2024, a Women’s Premier League, como é chamado o torneio, terá 10 times pela primeira vez (antes eram oito) e conta com patrocíniocasino nationaluma marcacasino nationalpetiscos mundialmente conhecida.

- Foi até engraçado quando eles falaram comigo que queriam alguém que cobrasse as atletas, tivesse uma posturacasino nationalmais cobrança, não chega a ser militar, mas que fosse mais rígida. Eu cobro muito empenho das minhas atletas, a nívelcasino nationalhorário também. Costumo dizer que não importa o que elas fazem foracasino nationalcampo, desde que não atrapalhe a vidacasino nationalatleta que elas têm. Eles têm um projetocasino nationalfazer o futebol feminino mais forte aqui.

A entrevistacasino nationalLindsay ao ge, inclusive, foi feita quando a delegação do Al-Ittihad estava na Espanha, onde faziacasino nationalpré-temporada com jogos amistosos e atividadescasino nationalcentroscasino nationaltreinamentoscasino nationalalto nível contra equipes do futebol europeu. O investimento, portanto, acontece não apenas nas contratações, mascasino nationalinfraestrutura e no preparo das atletas.

- Viemos fazer uma pré-temporada aqui na Espanha, estamos pertocasino nationalGirona, com tudo pago, hotelcasino nationalquatro e cinco estrelas. Então a estrutura que eles estão nos dando é muito melhor do que eu imaginava.

Equipes da liga saudita para a temporada 2024/2025:

• Al-Ahli;
• Al-Shabab;
• Al-Nassr;
• Al-Qadisiyah;
• Al-Hilal;
• Al-Ittihad;
• Eastern Flames;
• Al Ula;
• Al-Amal;
• Al-Taraji.

Contudo, o processocasino nationaldesenvolvimento do esporte é embrionário e muitas das jogadorascasino nationalatividade tiveram o primeiro contato com a bola bem depois dos 20 anos.

- 20 ou 25 anos atrás, no Brasil, o futebol feminino era bem recente, as meninas não tinham formação, não faziam escolinhas. É um pouco do que está acontecendo aqui. Tenho atletascasino national26, 27 anos que jogam bola há pouco tempo. A gente fez um jogo amistoso com o time B do Barcelona, perdemoscasino national2 a 0, mas vimos a qualidade no passe, as coisas que aconteciam com o Barcelona, e, no campo ao lado, vimos meninascasino national7 a 9 anos treinando.

- Ou seja, desde novinhas elas estão treinandocasino nationalpaíses como França e Espanha, têm contato com a bola desde cedo, como começou a acontecer no Brasil, sendo que as nossas atletas [no Al-Ittihad] começaram recentemente. É muito mais no talento e na vontade do que especificamente nos treinos. A exceção são aquelas que cresceramcasino nationaloutros países. É um trabalhocasino nationallongo prazo - detalhou Lindsay.

O desenvolvimento do futebol feminino e alguns pontoscasino nationalflexibilização no governo saudita, como a permissão das mulheres para dirigir e o usocasino nationalvestimenta menos rigoroso, podem dar a impressãocasino nationaluma grande mudança cultural no país. Mas não é bem isso o que acontece. Moradores ainda reclamam que algumas medidas só valem para estrangeiros, enquanto seguem sob ameaçascasino nationalsevera punição a qualquer deslize.

O nítido choque cultural é sentido diariamentecasino nationalquem passou a viver na região. A própria Lindsay disse que já enfrentou algumas situações constrangedoras durante seus primeiros dias no país.

- Eu saí do treinocasino nationalshort, e a gente foi dirigindo, ninguém me falou nada, mas ficaram me olhando. Eu fiquei meio constrangida porque eles me olhavamcasino nationalshort e camiseta. Mas eu estou no país deles e tenho que respeitar a lei. Um dia eu fui na IKEA [lojacasino nationalmóveis]casino nationalshort e senti um pouco disso, as pessoas me olhavam direto, mas ninguém me falou nada. Acho que não é algo tão forte, eu penso que eu vacileicasino nationalsair dessa maneira. Mas as meninas daqui usam shorts, elas são bem tranquilas, e algumas até mesmo têm tatuagens. Acho que esse pensamento está mudando - contou.

A Arábia Saudita também segue proibindo o relacionamento homoafetivo. Um caso que ganhou repercussão internacional foi a idacasino nationalHenderson, ex-Liverpool, para o Al-Ettifaq. O meia, até então defensor da causa LGBTQIAP+, foi criticado pela decisão.

- Não é bem por uma bandeira que eu uso a pulseira [colorida]. Eu ganhei elacasino national2020 e, a partir daí, eu comecei a usar e me deu bons resultados. [...] Eu posso usar nos treinos, posso usar nos lugares, mas nas fotos, para não ter problema com alguns torcedores, eles acabam editando. Para não dar problemas para os meninos que ficam tirando fotos, eu acabei comprando essa [pulseira preta]casino nationalúltima hora. Mas eu posso sair na rua com a pulseira que não terei problemas quanto a isso, ou pelo menos eles falaram que não teria problema. Eu não usei, mas eu procuro respeitar. Se eu tiver que colocar uma camiseta por cima para jogar uma partida importante, eu farei sem problema nenhum - afirmou a treinadora.

Mas esse crescimento do futebol feminino é apenas a foz do rio chamado "Arábia Saudita", que tem uma das suas nascentes no século VI depoiscasino nationalCristo, quando Maomé, o principal profeta do islamismo, nasceu. O detalhe importante é que a península da Arábia Saudita engloba as duas cidades que marcaram a trajetóriacasino nationalMaomé: Meca, local onde começoucasino nationalvida, e Medina, região que guarda seu túmulo. Junto com Jerusalém, são as cidades mais sagradas da religião.

A Arábia Saudita foi um dos principais territórios que receberam as pregaçõescasino nationalMaomé durante suas peregrinações pelo Oriente Médio, e, com o passar dos anos, a tradição se fortaleceu e se radicalizou. Foi lá que surgiu a versão uahabita do islã, que consistecasino nationaluma interpretação ferrenha do Alcorão, livro sagrado para os muçulmanos. Essa visãocasino nationalmundo perdurou até os tempos modernos sem nenhum tipocasino nationalatualização e com algumas regras sensíveis, principalmente com relação às mulheres. Vale destacar que o Corão variacasino nationalum país para o outro, a depender da interpretaçãocasino nationalcada um sobre as mensagens que Deus teria enviado para Maomé.

Na Arábia Saudita, por exemplo, as mulheres foram obrigadas a usarem véu e dependiam da autorização dos maridos para quase tudo, desde conseguir um emprego a fazer viagens. Somente agora houve a flexibilização destes costumes, como detalha o historiador Ricardo Carvalho.

- As limitações da participação feminina na sociedade, na política, nos esportes e na cultura são muito antigas, até anteriores ao estabelecimento da religião islâmica. Já era uma sociedade patriarcal, e o adventocasino nationaltoda a estrutura da religião islâmica acelerou esse modelocasino nationalcontrole dos homens sobre a sociedade, com as mulheres assumindo uma posição subalterna e dirigida pela sociedadecasino nationalque os homens comandam e determinam, enquanto as mulheres são submissas.

- Mas nos últimos anos vimos uma flexibilização, a globalização, a internet e as necessidades diplomáticas fizeram o governo saudita dar mais espaço às mulheres. Hoje elas já podem viajar sem autorizaçãocasino nationalum homem e podem dirigir por exemplo. Mas ainda estamos muito longecasino nationaluma sociedadecasino nationalque a equidade entre os gêneros é justa e politicamente acertada. Ainda existe um longo caminho para que as mulheres possam encontrar um espaço minimamente semelhante ao que existe no Ocidente, que também ainda tem muito a evoluir nesse quesito - sintetiza Ricardo.

Embora o caminho seja longo e ninguém saiba muito bem onde vai dar, uma coisa é certo na Arábia Saudita: ele vai passar pelo futebol, pelo trabalhocasino nationalLindsay e pela determinaçãocasino nationaloutras tantas mulheres.

- Eu sei que a equipe tem potencial, as meninas querem muito e estão trabalhando bastante. O que eu posso assegurar é que a gente vai buscar ir o mais longe possível. Onde é isso eu não sei - concluiu Lindsay.