A história escondidaslots pagaPelé: como o Rei mudou a rotinaslots pagaum país só com uma sessãoslots pagatreinos

Em 1975, como tricampeão do mundo, Pelé excursionou a Malta pelo amigo Padre Hilary e fez atividade com jovens atletas; veja os bastidores dessa história no dia que o Rei faria 83 anos

Por Camila Alves — Malta e São Paulo


Tony Mellieha não podia acreditar no que via diante dos próprios olhos. Sentia a multidão extasiada nas arquibancadas e tinha apenas oito anos,slots paga1975, quando uma excursão da escola o levou até o espetáculo que ficaria para sempre guardado na memória.

Era Pelé - que completaria 83 anos nesta segunda-feira -, recém-tricampeão do mundo, demonstrando uma sessãoslots pagatreinos para 17 mil pessoas no Empire Stadium,slots pagaGzira, pequeno povoado da Ilhaslots pagaMalta. O Rei nos deixouslots paga29slots pagadezembro do ano passado.

Eu era criança, mas lembroslots pagatudo. As pessoas torcendo, Pelé brincando com a bola. Foi um grande dia para nós.
— contou Tony, agora aos 56 anos, explicando as conexõesslots pagaMalta com o Brasil.

VEJA COMO FOI: Pelé se apresenta com uma sessãoslots pagatreinos no estádio Gzira,slots pagaMalta,slots paga1975

Tony, um dos fãs do Rei que presenciaram essa visita, está longeslots pagaser o único com esse sentimento. Entre os corredores do Museu do Futebolslots pagaMalta, dentro do estádio Nacionalslots pagaTa' Qali, Kenneth Formosa - curador do local - lembra que era apenas uma criança quando Pelé esteve no país.

Assistiu tudo pela televisão e assim tornou-se um apaixonado pelo futebol.

– Era como se… um herói mundial estivesseslots pagaMalta. Todos os lugares que ele passava, as pessoas comemoravam nas ruas. Sabe quando o Papa sai? Foi a mesma coisa.

O estádioslots pagaGzira estava lotado. As pessoas só queriam estar lá e dizer: "Sim, eu vi Pelé".
— falou Kenneth, resgatando as cenas na memória.

Ali, começava uma relação singela para a população do arquipélago da região central do Mediterrâneo, e neste dia 23slots pagaoutubro, aniversárioslots paga83 anos do Rei, o primeiro sem Edson Arantes do Nascimento, contamos uma história escondida sobre como Pelé - movido pela amizade, a religião e o futebol - mudou a rotinaslots pagaum paísslots pagatrês dias.

Pelé ao lado do Padre Hilary Tagliaferro (segurando o microfone), o responsável por levar o Rei para Malta — Foto: Arquivo Pessoal / Cedido por Kenneth Formosa

Essa história começa na Millenium Chapel, uma capela da cidadeslots pagaSt. Julian’s,slots pagaMalta, onde vive o Padre Hilary Tagliaferro - ou Father Hilary, como é conhecido no país.

Prestes a completar 89 anos, o padre sorri e caminha vagarosamente na direçãoslots pagauma sala escura no subsolo da capela. Empurra a porta pesada, acende as luzes, e enfim aponta para uma foto -slots pagaduas pessoas - pregada na parede do local: Hilary e Pelé.

O Padre foi o responsável por levar o Rei a Malta.

Eu conheci Pelé atravésslots pagaum amigo, jornalista argentino, que conhecia ele antes, e nos encontramos pela primeira vez no México, na Copaslots paga1970.
— explicou o padre, com um tomslots pagavoz baixo e calmo.
Padre Hilary mostra foto com Pelé, autografada pelo Rei. Na assinatura: "Ao Padre Hilary, com abraço do amigo Pelé" — Foto: Camila Alves

Hilary Tagliaferro é padre, técnicoslots pagafutebol e jornalista. Foi o primeiro maltês a cobrir uma Copa do Mundo in loco e participouslots pagaoito edições do torneio entre 1970 e 1998, alémslots pagaseis Olimpíadas. Por isso a relação tão próxima com o futebol.

Padre Hilary conta bastidores da visita do Rei Pelé a Malta,slots paga1975

Como treinador, comandou o Hibernians FC diante do Manchester United, na Champions Cupslots paga1967 - antiga Champions League -, e criou também o Centro Educacionalslots pagaEsportesslots pagaMalta - sendo considerado, por isso, o responsável por fundar as "categoriasslots pagabase" no país.

Ele identificou os melhores jovens, treinou eles e produziu alguns dos melhores jogadores da década seguinteslots pagaMalta. Muitos deles jogaram pela seleção nacional.
— contou Neville Gatt, advogado maltês e pesquisadorslots pagafutebol.
"Um padre e o jogo bonito", diz a manchete do jornal Independent,slots pagaMalta — Foto: Camila Alves

Pelo interesse comum no futebol, Hilary e Pelé se tornaram amigos, e a cada quatro anos, durante as Copas do Mundo, onde quer que estivesse sendo sediada, eles se encontravam para jantar juntos.

Eu costumava ir ao hotel dele e nós comíamos no hotel, porque ele não podia sair. As pessoas ficavam correndo atrás dele na rua.
— lembrou Hilary, com um sorriso no rosto.
Bilheteslots pagaimprensa da Copa do Mundoslots paga1974, na Alemanha, autografado por Pelé,slots pagaquadroslots pagabilhetes dos Mundiais — Foto: Camila Alves

Hilary guarda grande admiração pelo estiloslots pagaPelé, mas também porslots pagapersonalidade e humildade, sempre respeitoso com todos. Ao longo dos anosslots pagaque estiveram distantes, recorriam às cartas para conversar, e o Padre conta que costumava escrever para Pelé. Falavam, principalmente, sobre futebol e jogos importantes que o Rei disputasse, por exemplo.

– Falávamos sobre a faltaslots pagajogadores individuais no futebol, a idade que deixavam o Brasil pela Europa e matavam a criatividade, talento e habilidade deles. Isso estava sendo visto na época e o que concluímos é que os brasileiros tinham a maturidadeslots pagaseus times locais, virando jogadores aos 20, 21 anos. E agora eles vão para a Europa aos 14, 15 – revelou.

Quando não falavam sobre futebol, a conversa dos dois se concentravaslots pagaoutro temaslots pagacomum: a religião. Hilary faz questãoslots pagadizer que Edson - para além da figuraslots pagaPelé - era muito religioso, e costumava falar sobre fé, respeito e o amor a Deus.

– Qualquer problema espiritual que ele tivesse dificuldade, ele falava e eu guiava e ajudava ele, sabe? Na primeira vez que ele se ajoelhou na minha frente, eu fiquei chocado. Porque eu sempre olhei para Pelé como um ídolo. Eu disse: vamos, levante! E ele disse: não vou levantar enquanto você não me derslots pagabenção. E ele fazia isso todas as noites – contou, com o olhar pousado sobre a foto do amigo.

Pelé ao lado do Padre Hilary na Copa do México,slots paga1970 — Foto: Arquivo Pessoal / Cedido por Kenneth Formosa

Foi através desta amizade que Pelé chegou a Malta, quando Hilary soube que o tricampeão mundial estava viajando o mundo - como embaixador do futebol - por conta da Pepsi e bateu nas portas da empresa com uma ordem: certifique-seslots pagatrazer Pelé para Malta.

Assim,slots pagaabrilslots paga1975, o Rei desembarcou no arquipélago -slots paga300 mil habitantes na época - para uma viagemslots pagatrês dias, mas sem jogos. Daria apenas uma sessãoslots pagatreinos a jovens jogadores - formados por Hilary -, e ainda assim esteve dianteslots paga17 mil pessoas no Empire Stadium,slots pagaGzira.

Pelé desembarca no aeroportoslots pagaMalta para viagemslots pagatrês dias — Foto: Arquivo Pessoal / Cedido por Kenneth Formosa

O estádio fechou as portas há maisslots paga50 anos, mas ao longoslots pagasua existência também recebeu Real Madrid, Manchester United, Barcelona, e nomes como Franz Beckenbauer e Bobby Charlton. Gzira, aliás, tinha algumas particularidadesslots pagarelação aos campos considerados "normais".

– Nós sempre tivemos um problemaslots pagafaltaslots pagaágua, então a superfície não eraslots pagagrama. Era areia e cascalho, pequenos pedaçosslots pagapedra. Para fazer as linhas, usavam calcário líquido, e os jogadores se machucavam muito, então usavam a "água dos milagres" – contou Kenneth Formosa, apontando para os itens que guardou com carinho no Museu do Futebolslots pagaMalta.

Empire Stadium,slots pagaGzira, durante uma partida entre Malta e Inglaterra,slots paga1971 — Foto: FIFA
Malta e Inglaterra,slots paga1971, enfrentaram-se no Empire Stadium,slots pagaGzira — Foto: FIFA

Naquele dia 16slots pagaabrilslots paga1975, pisando sobre o calcário do campo, Pelé vestiu uma roupaslots pagatreino, mostrou brincadeiras com a bola e saltou entre bambolês dianteslots pagauma multidãoslots pagaGzira.

– Foi um espetáculo. As pessoas ainda lembram aquislots pagaMalta. Pelé fazendo truques com a bola e ensinando os mais jovens a como fazer, dando um show sobre ele mesmo – lembrou Hilary.

Uma multidãoslots paga17 mil pessoasslots pagaum treino era um recorde para Malta. Nunca aconteceu e acredito que nunca aconteceráslots paganovo.
— disse o Padre, que esteve presente no campo ao longo do evento.
Pelé ao lado do Padre Hilary -slots pagaóculos aslots pagadireita - e representantes do futebol e Governoslots pagaMalta,slots paga1975 — Foto: Arquivo Pessoal / Cedido por Kenneth Formosa

A passagemslots pagaPelé transformou o estádio e as ruasslots pagaMalta, estreitando laços com o futebol brasileiro -slots pagaum paísslots pagaraízes ligadas principalmente à Itália e Inglaterra, que foram responsáveis pela colonização da região. Malta, aliás, tem uma seleção nacional, mas não disputa a Copa do Mundo, então é comum ver a devoção das pessoas a outras seleções - inclusive a do Brasil.

Entre as ruas da cidadeslots pagaQawra, por exemplo, chama a atenção uma bandeira do Brasil cobrindo o assentoslots pagauma cadeira na Captain Morgan Cruises - uma loja que vende passeiosslots pagabarco para as praias do país. A bandeira pertence ao funcionário do local, Steve Saliba, que se apaixonou pelo futebol brasileiro graças ao pai.

Meu pai era negro e morou aqui quando a população era principalmenteslots pagapessoas brancas, então quando ele via Pelé, Rei no mundo, ele se inspirava. Meu pai me ensinou isso e eu passei a idolatrar Pelé.
— contou Steve, enquanto mostra uma foto antiga do pai.
Nascidoslots pagaMalta, Steve Saliba carrega consigo uma bandeira do Brasil, guardada porslots pagapaixão pelo futebol brasileiro — Foto: Camila Alves

São detalhesslots pagauma história escondida, mas queslots pagaseis meses promete estar marcada pelas ruasslots pagaMalta.

Quando Pelé morreu, eu decidi que queria fazer algo para que até mesmoslots pagaMalta o Pelé fosse sempre lembrado.
— disse Kenneth Formosa, curador do Museu do Futebol.
Di Stefano, Bobby Charlton e Pelé, nomes que passaram pelas ruasslots pagaMalta ao longo da história — Foto: Camila Alves / Desenho exposto no Museu do Futebolslots pagaMalta

Kenneth está há duas décadas pesquisando, aprendendo e colecionando itens referentes a Pelé - desde camisas, fotografias, obrasslots pagaarte, posters, selosslots pagacarta e até mesmo o Menu do hotelslots pagaque o Rei esteve hospedado, autografado pelo próprio.

Kenneth - que era criança na viagemslots paga1975 - é tido como o responsável pelo maior acervoslots pagaPelé no país.

Eu gastei muito dinheiro nisso, mas não importa – confessou Kenneth, olhando uma das fotos expostas no Museu do Futebol.

Mas quanto dinheiro?

Se eu começar a calcular, provavelmente vou morrer – brincou o curador, deixando escapar uma gargalhada.

Kenneth mostra no celular os inúmeros itens, que estão agora guardadosslots pagauma salaslots pagasua casa, e conta o plano: inaugurar a exposiçãoslots pagaabrilslots paga2024. Será um pedaço da história, a quase nove mil quilômetrosslots pagadistância do Brasil, que faz manter vivo legado do Rei.

Menu do jantar no Corinthia Palace,slots pagaMalta, onde Pelé esteve durante a viagemslots pagaMalta — Foto: Arquivo Pessoalslots pagaKenneth Formosa

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