As palavrasLaura Winter, apresentadora e repórter da F1TV, streaming oficial da Fórmula 1, são extremamente fortes. Foi assim que ela abriuparticipação na programação da categoria na última sexta-feira. Elas ganham ainda mais força por terem sido proferidas8março, Dia Internacional da Mulher. E não dá para não aplaudir a coragem da jornalista inglesa: por trabalharum veículo oficial da F1, espera-se uma postura mais chapa branca, sem posicionamentos evidentes. Laura disse apenas a verdade: a categoria, apesar do aumento sensível da participação feminina, segue sendo um ambiente hostil às mulheres. Infelizmente.
E qual é o contexto deste posicionamentoLaura Winter? Na última quinta-feira, descobriu-se que a RBR puniu com uma suspensão a funcionária que denunciou o chefe Christian Horner por suposta conduta imprópria,cunho sexual. Tudo isso após uma auditoria externa, contratada pela própria marcaenergéticos, liberar o dirigente das acusações. Entretanto, não foram divulgados grandes detalhes. A empresa reforçou apenas que acreditava no teor "justo, rigoroso e imparcial". A funcionária ainda pode recorrer - e, claro, judicializar o caso.
Juízosvalor sobre o caso à parte (o jurídico agradece), a Fórmula 1 deu mais um exemplocomo não se lidar com uma situação grave como essa. Infelizmente, a denúncia da funcionária se tornou pública pelos motivos errados. Apenas porque existe atualmente uma enorme guerrapoder dentro da RBR. De um lado, o chefe Christian Horner e o bilionário tailandês Chalerm Yoovidhya, que detém 51% das ações da Red Bull. De outro, o consultor Helmut Marko, o tricampeão Max Verstappen - e seu pai Jos - e os herdeirosDietrich Mateschitz, donos49% da marcaenergéticos. Ou seja: algo extremamente delicado virou combustível para uma guerra entre os dois lados. Com direito a vazamentos, golpes baixos e atitudes extremamente complicadas.
Em vezser tratada com a seriedade que merece, a denúncia se tornou útil para tornar pública essa guerra interna da RBR - que pode, inclusive, implodir a estruturauma equipe que dominou as últimas duas temporadas. Mas, repito, este é o ponto menos importantetodo o caso. Qual a mensagem que a Fórmula 1 está passando para o público feminino e para as mulheres que trabalham na categoria? Simples: que um caso extremamente sério como esse não será tratado da forma correta. Pelo contrário: será usado para todo tipopoliticagem e guerrasegos dentrouma equipe. E, sobretudo, serve para desencorajar possíveis vítimasdenunciar casos semelhantes.
Triste demais para quem deseja ver um automobilismo menos masculino e mais diverso. Neste caso da RBR,específico, já passou do tempo para a Federação InternacionalAutomobilismo (FIA) e a própria Liberty Media, dona dos direitos comerciais da Fórmula 1, conduzirem uma investigação independente para apurar o ocorrido dentro da equipe austríaca. Em temposexpansãopúblico, com mais mulheres cada vez mais interessadas pela categoria, é urgente passar uma mensagem para o mundo. O automobilismo temdeixarser um ambiente hostil à presença feminina. E este seria um excepcional caso para servirexemplo para esta luta. É uma pena que ninguém que detenha o poder e a caneta para ordenar isso tenha a vontadeagir efetivamente.
Rafael Lopes e Luciano Burti fazem a prévia do GP da Arábia Saudita2024
Para não deixar nada faltando nesse texto, precisamos falar sobre o que esse caso pode causar na RBR. É enorme o riscoum desmonte da atual equipe campeã. A excepcional combinação entre o talentoMax Verstappen e a genialidadeAdrian Newey, o mago da aerodinâmica, ePierre Waché, pode acabar por causatudo o que o uso político desta situação causou. É apenas mais um capítulo da guerra entre Christian Horner e Helmut Marko, que já dura desde 2023, quando o dirigente inglês tentou excluir o ex-piloto austríaco da estrutura das equipes da Red Bull. A manobra não deu certo e a situação só piorou.
Marko e o lado austríaco da marcaenergéticos acreditavam que a denúncia da funcionária seria suficiente para a demissãoHorner. Só que, uma semana antes do lançamento do RB20, carro deste ano, o inglês50 anos compareceu a uma reunião sobre o caso que durou oito horas. Neste encontro, o chefe fez questãorelembrar algumas cláusulasseu contrato com a RBR. Depois disso, a diretoria da marca analisou o relatório dito "independente" e isentou o dirigente inglês. Traduzindo: na quedabraço entre os acionistas, o lado tailandês venceu a disputa e manteve Horner emfunção na equipe.
A situação piorou no GP do Bahrein, abertura da temporada 2024 da Fórmula 1. Durante os treinos livresquinta-feira, um e-mail anônimo vazou parte do conteúdo da denúncia da funcionária da RBR para os jornalistas, para os dirigentes das outras equipes e para o comando da Liberty Media. O ex-piloto Jos Verstappen, paiMax, disse que a situaçãoHorner era insustentável e,casopermanência do chefe, a "equipe implodiria". E Max saiudefesa das declarações do pai, dizendo que ele "não era mentiroso". Já na Arábia Saudita, começaram a surgir boatosque Helmut Marko poderia ser suspenso pelo suposto vazamento do e-mail. Boatos alimentados pelo próprio Marko. E a Mercedes, por meio do chefe Toto Wolff, passou a cortejar publicamente Max Verstappen para a vaga aberta por Lewis Hamilton para 2025.
Em suma: preciso ser repetitivo aqui. Não é uma "fofoquinha". É uma denúncia grave. E que está sendo usada para uma guerra interna na RBR por poder. E pior: está alimentando os boatos da precoce silly season para 2025. A Fórmula 1 dá mais uma liçãocomo não lidar com um problema tão grande como este. Uma pena.