São quatro cadeiras, quatro microfones e uma mesinha redonda. Poucos metros quadrados, paredesbrabet atualizadoespuma e nenhuma câmera. Nesse ambiente intimista, dentrobrabet atualizadouma sala no primeiro andar da sede da TV Globo,brabet atualizadoSão Paulo, gravamos com o ex-volante e hoje comentarista Richarlyson o primeiro episódio do podcast "Nos Armários dos Vestiários", uma série jornalística que detalha a homofobia e o machismo no futebol brasileiro.
Ouça o primeiro episódio do podcast:
A entrevista extrapolou o tempo previsto porque nem parecia entrevista — era uma conversa franca e sem cortes sobre o tema. Em duas horas e meia, alémbrabet atualizadocontar como o preconceito o perseguiu durante a carreira inteira, um relato inédito aconteceu naquela pequena sala. Richarlyson, aos 39 anos, se sentiu à vontade para revelar, pela primeira vez,brabet atualizadobissexualidade.
— A vida inteira me perguntaram se sou gay. Eu já me relacionei com homem e já me relacionei com mulher também. Só que aí eu falo hoje aqui e daqui a pouco estará estampada a notícia: "Richarlyson é bissexual". E o meme já vem pronto. Dirão: "Nossa, mas jura? Eu nem imaginava". Cara, eu sou normal, eu tenho vontades e desejos. Já namorei homem, já namorei mulher, mas e aí? Vai fazer o quê? Nada. Vai pintar uma manchete que o Richarlyson faloubrabet atualizadoum podcast que é bissexual. Legal. E aí vai choverbrabet atualizadoreportagens, e o mais importante, que é pauta, não vai mudar, que é a questão da homofobia. Infelizmente, o mundo não está preparado para ter essa discussão e lidar com naturalidade com isso — afirmou Richarlyson.
Ter essa discussão é um dos objetivos principaisbrabet atualizado"Os armários dos vestiários". A série tem dez episódios sobre homofobia e machismo dentrobrabet atualizadovários espaços do futebol — campo, arquibancada, apito, base e outros. A entrevistabrabet atualizadoRicharlyson é uma entre as maisbrabet atualizado30 realizadas.
A declaração surgiu com maisbrabet atualizadouma horabrabet atualizadoconversa. Richarlyson não foi perguntado diretamente sobrebrabet atualizadosexualidade, como aconteceu diversas vezesbrabet atualizadoquase 20 anosbrabet atualizadocarreira como jogador profissional. A decisãobrabet atualizadofalar surgiubrabet atualizadoforma espontânea.
— Pelo tantobrabet atualizadopessoas que falam que é importante meu posicionamento, hoje eu resolvi falar: sou bissexual. Se era isso que faltava, ok. Pronto. Agora eu quero ver se realmente vai melhorar, porque é esse o meu questionamento.
— Você me entende por que eu acho que é desnecessário às vezes você se rotular? Tem uma questão mais importante, tem gente morrendo, o Brasil é o país que mais mata homossexuais. E a gente está aqui falandobrabet atualizadofutebol, ok, mas o futebol é um negocinho pequeno. Ah, masbrabet atualizadofala pode ajudar. Não, não vai ajudar. Quem é Richarlyson, pelo amorbrabet atualizadoDeus?! Sou um mero cidadão comum, que teve uma história bacana no futebol, mas eu não vou poder mover montanhas para que acabem esses crimes, para que acabe a homofobia no futebol — disse o ex-jogador.
O sentimentobrabet atualizadodesesperança se justifica. Estamosbrabet atualizado2022, e Richarlyson é o primeiro jogador que atuou na Série A do Campeonato Brasileiro e na Seleção a falar sobre o assunto abertamente, uma marca importante na luta contra a homofobia no esporte, onde as diferenças não são aceitas.
No mundo inteiro, dá para contar nos dedos aqueles que decidiram se posicionar, e a maioria não está ou não passou pelas principais ligas. No Brasil, essa figura era simplesmente inexistente. O único relato foibrabet atualizadoum goleiro da Série Dbrabet atualizado2010, o Messi, na época jogador do Palmeirabrabet atualizadoGoianinha, do Rio Grande do Norte.
— Eu não queria ser pautado por causa da minha sexualidade,brabet atualizadoeu ser bissexual. Eu queria que as pessoas me vissem como espelho por tudo aquilo que conquistei dentro do meu trabalho. Eu nunca coloquei a minha sexualidade à frente do meu trabalho, e nunca faria isso. E eu não estou falando isso agora porque pareibrabet atualizadojogar. Muita gente maldosa vai falar isso, que eu falei agora porque não jogo mais. Não. Eu nunca falei porque não era a minha prioridade, como não era hoje, mas hoje eu me senti à vontadebrabet atualizadofalar. Eu queria que não existisse essa pauta. Eu queria estar falando aqui da minha nova carreira (comentarista). Mas é importante. Vamos poder alertar um ali, outro aqui.
Joannabrabet atualizadoAssis, sobre bastidores do papobrabet atualizadoRicharlyson: “Pela primeira vez, ele se sentiu à vontade para tratar o problema da forma que ele queria. De forma natural”
Richarlyson talvez tenha sido o esportista que mais sofreu pressão na carreira sem precisar tocar na bola, mesmo sendo um jogador com uma coleção invejávelbrabet atualizadotítulos — uma Copa São Paulo, três estaduais, três Brasileiros consecutivos, duas Libertadores e um Mundial. Ainda assim, jamais foi alçado à posiçãobrabet atualizadoídolo.
Na passagem pelo São Paulo, onde viveu o melhor momento da carreira, chegou a ser ignorado pela própria torcida no momentobrabet atualizadoque ela gritava um a um os nomes da escalação. Não era fácil, mas ainda assim ele brilhava. Era a forma possívelbrabet atualizadodriblar a intolerância — jogando bem e sem nunca abandonar a personalidade forte. A começar pela aparência. Sempre havia brilho, cores extravagantes, especialmente o rosa,brabet atualizadoum protesto silencioso contra a heteronormatividade.
— Eu sempre fui eu. Queria mostrar para as pessoas que independentemente do que elas falassem eu iria viver a minha vida, faria o que me desse prazer brincandobrabet atualizadopeteca, jogando vôlei, colocar uma braque rosa no vôlei.
O debate público sobre a sexualidadebrabet atualizadoRicharlyson começoubrabet atualizadojunhobrabet atualizado2007, quando o então dirigente do Palmeiras José Cyrillo Júnior insinuoubrabet atualizadorede nacional que o jogador seria gay. Richarlyson registrou uma queixa-crime contra o cartola, que se desculpou publicamente.
A queixa, porém, foi indeferida com uma decisão surpreendente. O juiz do caso, Manoel Maximiniano Junqueira Filho, arquivou o processo alegando que não seria razoável aceitar homossexuais no futebol brasileiro porque prejudicaria o pensamento da equipe. Mais do que isso, citou na sentença que futebol é coisabrabet atualizadomacho, não homossexual.
— Isso, sim, me deixou muito triste porquebrabet atualizadonenhum momento eu senti que aquilo era uma coisa normal. Era uma coisa muito pejorativa. Isso foi muito ruim não só para mim. Ser homossexual não é demérito para ninguém, e no futebol não deveria ser um assunto tão polêmico. Nunca deixei que isso atrapalhasse o que eu quero para minha vida, não vai ser uma frase, uma palavra, uma discussão ou um cara babaca que tentoubrabet atualizadoforma vulgar maltratar uma classe… Pelo amorbrabet atualizadoDeus, quanto sofrimento tem na classe LGBTQIA+?
Richarlyson garante que os ataques homofóbicos jamais abalaram seu futebol. Conseguia desempenhar maisbrabet atualizadouma função tática e, mesmo com o turbilhão vivido por contabrabet atualizadosua vida íntima, chegou ao auge. Chamado por Dungabrabet atualizado2008, vestiu a camisa da Seleçãobrabet atualizadoduas partidas como lateral-esquerdo, uma das posiçõesbrabet atualizadoque atuava no São Paulo.
— Depoisbrabet atualizado2007, fui o melhor jogador do Campeonato Brasileiro na minha posição e fui para a seleção brasileira sem precisarbrabet atualizadopatotinha. Fui convocado por mérito.
Richarlyson se manifesta após declarar ser bissexual: “Vamos naturalizar isso”
O ex-jogador acredita que as críticas que recebia por uma falhabrabet atualizadocampo eram desproporcionais, assim como considera injusta a disputa por uma vaga no time titular.
— Todo dia eu tinha que mostrar algo diferente, e isso sempre falei. Um erro meu era peso cinco. (As pessoas) me atacavam mesmo, parecia uma matilhabrabet atualizadolobos. E eu sabia, nunca fui craque, nunca fui tecnicamente incrível, mas era inteligentebrabet atualizadosaber o que eu poderia fazer para sempre estar à frente dos demais. Eu voltava uma semana antes das férias, porque eu corria na ladeira por uma vaga no time, enquanto os outros estavam no plano. Eu chegava voando na pré-temporada. Na hora que os caras assustarem, eu já fiz cinco bons jogos, e aí não teria motivo para me tirar do time.
- Apoio familiar
— Só falei abertamente com a minha mãe sobre a minha sexualidade. Meu pai (o ex-atacante Lela) e meu irmão (o atacante Alecsandro) vão saber pelo podcast. Nada jamais foi questionado, nunca me olharam torto na vida por nada que eu tivesse feito. Eu sempre brinco que tudo aquilo que sou hoje é porquebrabet atualizadocasa tive uma formação totalmente rígida na questãobrabet atualizadoeducação e respeito, mas acimabrabet atualizadotudo com uma clareza e naturalidade para enfrentar o que quisesse da forma que eu visse, não da forma que meu pai, minha mãe ou meu irmão estivessem vendo.
- Presença gay no futebol
— Eu seria hipócritabrabet atualizadofalar que não existem. Existem, sim. E ele (jogador) falar que é, a porta vai fechar absurdamente. Vai fechar mesmo, porque ainda existe esse lado, que eu acho tão pobre nos clubes,brabet atualizadoestarem nas mãos das torcidas organizadas, que são quase sempre quem comandam nessa questão da homofobia.
- Combate à homofobia com punições severas
— Pelo menos agora a juizada está tomando conta da situação. Mas tem que ser mais, tem que punir o clube, tem que ficar com uma câmera mesmo só para isso lá no estádio, para pegar quem é. E ter mesmo punição. Se a punição é três anosbrabet atualizadocadeia, se eu não me engano, tem que punir esse cara, fazer ele ficar um ano fora do estádio, fazer o clube pagar por essa situaçãobrabet atualizadoter sido homofóbico. Só assim vai melhorar.
- Carreira prejudicada
— Com certeza minha carreira poderia ter sido muito melhorbrabet atualizadotermos midiáticos por aquilo que eu construí dentro do futebol se não tivesse essa pauta (sexualidade). Isso é visível, todo mundo sabe disso, mas chegou num pontobrabet atualizadoque eu fiquei saturado mesmo. Chegou um ponto que alguém me pedia entrevista, e eu perguntava: "Vai falar sobre o quê?". Mas questionamentobrabet atualizadoque poderia ser melhor? Sim, poderia. Não vamos ser hipócritasbrabet atualizadodizer que não poderia se tivesse uma pauta maior sobre o que eu conquistei e não sobre essa questão, que era muito polêmica, ainda mais na minha época, né?
- Estereótipo
— Eu nunca me preocupei com estereótipobrabet atualizadoser masculino, machão, rústico, bruto... São tantos adjetivos, heterotop… Em 2008, quando eu entrobrabet atualizadoférias, coloco um aplique. Um ano antes, ou até no mesmo ano, o Leandro Guerreiro colocou um aplique. No mesmo São Paulo. Quando eu coloquei, aí foi notícia, né? O Juvenal Juvêncio ligou para o meu empresário, Júlio Fressato: "Júlio, o Richarlyson não vai voltar com esse cabelo para o São Paulo, né?" O Júlio me perguntou, e eu: "Estoubrabet atualizadoférias, já faço o que eu quero quando eu estou trabalhando,brabet atualizadoférias então ninguém vai falar o que tenho que fazer, mas você pode responder para o Juvenal Juvêncio que não vou voltar com cabelão, até porque não quero, mas é um posicionamento meu, dá um trabalho danado". Agora a gente volta no Leandro Guerreiro, que era tido como macho alfa, rústico, hetero... Colocou o cabelão e estava tudo bem. A torcida não ligou, passou e continuou. No meu caso, sabia que iria levantar uma pauta desnecessária, mas que levantaria, até porque o presidente ligou para o meu empresário.
- Faltabrabet atualizadoposicionamento dos jogadores
— Os próprios jogadores têm que se posicionar melhor sobre a situação, especialmente os héteros. Não é questãobrabet atualizadovestir a camisa com um arco-íris. É, quando acontecer essa situaçãobrabet atualizadohomofobia, sairbrabet atualizadocampo. "Espera aí, a torcida não está respeitando o meu companheiro ou meu adversário como ser humano? Então, eu não vou voltar a jogar". Eu tenho amigos e ex-companheirosbrabet atualizadoprofissão que realmente tiveram momentos difíceis nabrabet atualizadocarreira por querer ser aquela pessoa que ele queria ser, mas era reprimido pelos seus clubes e até pelabrabet atualizadotorcida.
- Perseguição da mídia
— Cara, tem dois pesos. Costumo dizer que por mais que fosse uma chateação esse questionamento da mídia, eu estavabrabet atualizadoalta. Eu estava aparecendo. Claro que eu queria muito mais aparecer por aquilo que fazia no campo do que por essas manchetes, mas era quase que impossível isso acontecer, porque talvez aquilo que o Richarlyson fizesse dentrobrabet atualizadocampo não dava tanta notícia.
— Tem uma foto minha que eu desacreditei. Em um treino, fui buscar a bola no meio das árvores e, quando eu voltei, claro, tive que agachar. Um fotógrafo tirou essa foto e virou um meme absurdo, eu lábrabet atualizadoquatro, saindo do meio do mato. Eu achei um absurdo,brabet atualizadomuito mau gosto, qualquer jogador poderia ter ido pegar a bola, mas usaram da maldade, porque todas as pautas eram maldosas comigo, queriam arrancar algobrabet atualizadomim, e ficavam putos. "Ah, o Richarlyson deu uma risada espalhafatosa? Então, vamos tirar essa foto para mostrar que a alegria que ele está é diferente". "Ah, o Richarlyson está no shopping com uma camisa toda cheiabrabet atualizadolantejoulas. Esse cara não é homossexual? Vamos colocar essa foto aí para ver qual vai ser a reação". Chegou a um ponto que eu pareibrabet atualizadodar entrevistas, porque a pauta era a mesma sempre.
- Combate ao preconceito
— Pessoas com posicionamentos maiores tem que se enxergar e falar: "Oh, gente, eu sou hetero, mas esse cântico homofóbico aqui não existe. E se isso acontecer eu vou sairbrabet atualizadocampo. Eu quero que o cara que cantou seja punido. Seja preso. O time tem que ser punido. Isso, sim, vai resolver. Não vai resolver eu falar aqui que sou bi. Não vai resolver, não vai. Eu vim aqui porque acho que é importante ressaltar algumas coisas, pontuar sobre a minha carreira, o que foi, o que aconteceu, o que deixoubrabet atualizadoacontecer. Como eu levei e o que deve ser feito.
— Muitas vezes, o homossexual se vitimiza demais. Não, vai pra cima, cara! Você não é diferente, não. É carne e osso igual a qualquer outro. Morrendo todo mundo vira caveira igual, ninguêm vai virar uma caveira rosa oubrabet atualizadopurpurina. Você não é diferente. Você não tem que se sentir diferente, você tem que se sentir feliz.
O “Nos armários dos vestiários” é um podcast GE, produzido pela Feel The Match.
- Apresentação e texto final: Joannabrabet atualizadoAssis e Williambrabet atualizadoLucca
- Direçãobrabet atualizadoconteúdo: Joannabrabet atualizadoAssis ebrabet atualizadoBruno Maia
- Direção geral: Bruno Maia Diretor
- Produção executiva: Milena Godolphim
- Coordenaçãobrabet atualizadoprodução: Joannabrabet atualizadoAssis, Milena Godolphim e Rafael Barros
- Gerênciabrabet atualizadoConteúdo: Bruno Roedel
- Roteiristas e pesquisadores: João Pedro Castro e Carlos Guilherme Vogel
- Chefiabrabet atualizadopesquisa: Joannabrabet atualizadoAssis, Williambrabet atualizadoLucca, Jotapê, Vogel, Oscar Neto, Felipe Mondego e Luiza Lourenço
- Gravações, mixagens e identidade sonora: Alexandre Griva (Melhor do Mundo Estúdios)
- Workflows e processos: Vivi Alexandrino
- Produção (ge): Lucas Garbelotto e Pedro Suaide
Coordenaçãobrabet atualizadopodcasts (ge): Rafael Barros - Análisebrabet atualizadoProduto (globo): Letícia Nunes
- Gerênciabrabet atualizadoconteúdo (ge): Andre Amaral
- Gerênciabrabet atualizadoPodcasts (globo): Fábio Silveira