Por que a Espanha tolerou por tanto tempo gritos racistas no futebol?

Episódios com Vinicius Junior mostram que racismo estrutural no país é problema social pouco debatido e confrontado, dizem especialistas

Por Daniel Mundim e Rodrigo Lois — Riof12 bet appJaneiro


"Macaco". "Negrof12 bet appmerda". "Negro f.d.p.". "Puto negro". "Vá comer bananas". Essas foram algumas das palavras direcionadas a Vinicius Junior registradasf12 bet appvídeos nos campos da Espanha. O brasileiro do Real Madrid não foi a única vítima e provavelmente não vai ser a última. Por que, por tanto tempo, o futebol espanhol permitiu esse tipof12 bet appcomportamento das arquibancadas?

Veja alguns dos episódiosf12 bet appracismo contra Vinicius Junior no futebol espanhol

Os repetidos episódiosf12 bet appracismo contra Vinicius Junior no Campeonato Espanhol levantaram a discussão sobre por que agressões do tipo foram toleradas ou, na melhor das hipóteses, combatidas com penas brandas.

"O racismo é o normal na La Liga", escreveu Vinicius, após sofrer na pele no último domingo.

Para entender por que isso é normal, é preciso analisar como o problema é enxergado na sociedade espanhola. Ou, como apontam alguns especialistas, como ele não é enxergado.

Vinicius Junior, do Real Madrid, é xingado pelos torcedores do Valencia — Foto: Aitor Alcalde Colomer/Getty Images

O professor Javier Duran González, titular da Universidade Politécnicaf12 bet appMadri, com vasta pesquisa nos aspectos sociológicos e éticos do esporte, considera que o debatido sobre o racismo na Espanha não é novo.

Ele também não acredita que o racismo é maior no futebol do país do que no resto da sociedade. Emf12 bet appvisão, não se dava importância aos gritosf12 bet app"macaco" porque estes viraram delitos mais recentemente. Antes era considerado um insulto como outros nos estádios.

— Há quase 20 anos houve o caso com o Samuel Eto'o, que teve um impacto muito grande. Mas os efeitos vão se perdendo, e as instituições esquecem do problema. Devemos ser muito mais constantes nas ações. O futebol é um reflexo da sociedade, o que acontece é que o efeito do que acontece nele é grande, tem impacto social enorme — analisou.

Na época no Barcelona, Eto'o ameaçou deixar o jogo do Barcelona contra o Zaragoza,f12 bet app2006 — Foto: Getty Images

Para González, o crescimentof12 bet appmovimentosf12 bet appextrema direita no país, com forte oposição à entradaf12 bet appimigrantes no território, principalmente da África, tem contribuído para mais manifestações racistas e xenófobas. E os clubes foram muito permissivos com a presença desses grupos.

Os ultras estão na raiz do problema, quando relacionado ao futebol. É o que aponta Esteban Ibarra, presidente da ONG Movimento contra a Intolerância, que atua desde 1991 na Espanha. Em entrevista à Rádio Cadena SER, ele citou que a impunidade contribui para a atuação dos grupos extremistas.

— A impunidade é o principal problema. (...) A Espanha não é um país racista, o futebol não é racista, o que existe é comportamento racista. Muitos desses comportamentos são energizados pelos grupos ultra no futebol, o exemplo é a prisãof12 bet appquatro pessoas nesta madrugada. Não é um louco sozinho, é uma coisa organizada. A mesma coisa aconteceu com Vinicius, assim que ele desceu do ônibus os insultos foram orquestrados — disse Esteban.

"O direitof12 bet appinsultar não existe. E um insulto racista é um crimef12 bet appódio", resume Ibarra.

Veja o resumo dos casosf12 bet appracismo contra Vinícius Junior na Espanha

De acordo com a Lei 19/2007 da Espanha, que regula punições por comportamento racista, a aplicaçãof12 bet appsanções cabe ao governo e à federaçãof12 bet appfutebol local. LaLiga não tem esse poder.

A liga organizadora do Campeonato Espanhol criou of12 bet app2015/16 um departamentof12 bet appintegridade e segurança para atender a casos do tipo. Desde então, “maisf12 bet appuma dúzia” foram registrados, segundo a própria entidade. O encaminhamento ao Ministério Públicof12 bet appÓdio começouf12 bet app2018/19, há quatro temporadas portanto.

Durante a entrevista coletivaf12 bet appque explicou as medidas tomadas por LaLiga para combater o racismo, o presidente Javier Tebas foi questionado pelo ge sobre a tolerância a gritos racistas dentro dos estádios do futebol do país, durante tantos anos. No cargo desde 2013, ele evitou falar sobre o passado.

— Na minha primeira intervenção pública (como presidente da LaLiga) falei sobre racismo, sobre violência, e que precisávamos erradicá-los. Sobre o período anterior eu não quero opinar, aí tem que falar com um sociólogo, perguntar o que havia. Alguns clubes custaram mais a fazer alguma coisa, outros menos.Tínhamos que acabar com isso, era uma vergonha. Não seria presidente da LaLiga se ignorasse esse problema e não o combatesse — afirmou Tebas.

"Não seria presidente se ignorasse esse problema e não o combatesse", diz Javier Tebas

f12 bet app Racismo na Espanha: Faltaf12 bet appvisibilidade

Em umaf12 bet appsuas manifestações sobre os insultos no jogo contra o Valencia, no último domingo, Vinicius Junior afirmou que "hoje a Espanha é conhecida como um paísf12 bet appracistas". A declaração trouxe à luz a discussão sobre como esse problema é encarado por lá.

A SOS Racismo da Espanha trabalha para aumentar a visibilidade da questão. A organização luta contra o racismo no país desde o final dos anos 1980, e atualmente presta assessoria gratuitaf12 bet appcasosf12 bet appdiscriminação, e divulga relatórios. Para Marita Zambrana Vega, porta-voz da instituição, o tema é "nada" debatido.

— E isso é um grande problema. O racismo se entende aqui como agressões, verbais ou físicas, a nível individual. Não se entende a raiz do racismo como uma estrutura, como um sistema, que permeiaf12 bet appdistintas maneiras e se expressaf12 bet appformas diferentes nas pessoas racializadas que vivem aqui na Espanha. Como se não se entende como um problema estrutural, é muito difícil que se aborde dessa maneira.

Rodrigo Lois, sobre a Espanha: "País que tem uma marca racista muito forte"

Um exemplof12 bet appcomo o racismo é pouco tratado na Espanha é a ausênciaf12 bet applei específica contra o problema. O que existe é legislação contra crimef12 bet appódio, que ataca expressões muito explícitasf12 bet appracismo. Ou os casos são enquadrados como crimef12 bet appinjúria ou calúnia.

As leis deste país não se adequam à realidade social que existe agora mesmo, não só na Espanha, mas no mundo inteiro."
— Marita Zambrana Vega, porta-voz da SOS Racismo.

Assim como acontece no Brasil, há na Espanha uma subrepresentação da população negraf12 bet appespaçosf12 bet apppoder político e destaque.

O país ultrapassou nesta semana a marcaf12 bet app48 milhõesf12 bet apphabitantes, sendo 8,3 milhõesf12 bet appnascidos fora do país. O governo espanhol não recolhe dadosf12 bet appacordo com origem étnico-racial, mas por origemf12 bet applocalf12 bet appnascimento (ou descendência). Portanto, é difícil ter noçãof12 bet appquantas pessoas negras há no território, o que, segundo especialistas, impacta no conhecimento sobre os problemas dessa população.

Faixa da torcida do Real Madridf12 bet appapoio a Vinicius Junior: "Somos dos Vinicius, basta já!" — Foto: Javier Soriano/AFP

Em 2021, o Ministério da Igualdade divulgou estudo com estimativa da populaçãof12 bet appafricanos e afrodescendentes na Espanha: entre 700 mil e 1,3 milhãof12 bet apppessoas.

— Um ponto determinante no casof12 bet appVinicius é que ele reagiu da maneira como todos deveriam reagir: não ficou calado diantef12 bet appum ato racista e denunciou que a Espanha é um país racista. A Espanha e os espanhóis se ofendem mais por serem chamadosf12 bet appracistas do que seremf12 bet appfato. Não há uma revisão por parte da sociedade para tentar fazer uma mudança. Temos muito trabalho para fazer nesta sociedade, que não se reconhece como racista — afirmou Marita Zambrana Vega.

A reportagem do ge perguntou à LaLiga quais e quantos são os jogadores negros presentes na liga, e qual percentual eles representam do totalf12 bet appatletas, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.