Roberto Mancini busca na final da Eurocopa a redenção pela Itália

Rodeadoamigoslonga data na comissão, técnico carrega frustração como jogador da seleção, mas é o maior responsável pela revolução do futebol da Azzurra nos últimos anos

Por Jorge Delou, Marcelo Courrege, Renata Heilborn e Rodrigo Lois — Londres, Inglaterra


Roberto Mancini está exatamente onde queria. No centro das atenções da Itália, no comandouma equipe moldada àfeição, e cercado por aliadoslonga data. Ele vive os últimos diasexpectativa pela decisão da Eurocopa-2020, a maior chance até agoradar fim àfrustração com a seleção.

Itália e Inglaterra disputam o título da Eurocopa no próximo domingo, às 16h (de Brasília),Wembley. A TV Globo, o SporTV e o ge transmitem a partida com exclusividade.

Técnico Roberto Mancini resgatou o brilhantismo da seleção italiana — Foto: Getty Images

A imagem acima retrata o protagonismoRoberto Mancini nesta Itália. Sob seu comando, a Azzurra chega na decisão da Euro com doses significativasfavoritismo, como mostra enquete do ge. É a chancevencer pela segunda vez o torneio — a primeira foi1968, numa épocaque só quatro equipes estiveram na disputa, e quando o país sediou a copa. Pouco para uma seleção tetracampeã mundial.

Apesar da invencibilidade33 jogos (27 vitórias e seis empates, recorde nacional), iniciada bem antes da atual Eurocopa, a Itália não era vista com os mesmos olhos que Bélgica, líder do ranking da Fifa, ou França, última campeã do mundo, nem mesmo Inglaterra, anfitriã e rival na final. Esse status foi construído ao longo da campanha, com 100%aproveitamento na fasegrupos e grandes atuações no mata-mata.

Reveja abaixo todos os gols da Itália na Euro-2020:

Qual fora o motivo para tanta desconfiança? A não classificação para a Copa2018. Vexame que só havia ocorrido uma outra vez na história da equipe,1958. Surpreendente para quem tinha ficadoquinto lugar na Euro-2016, mas até compreensível para uma seleção eliminada na fasegrupos dos Mundiais2010 e 2014.

Enquanto outros times acertavam os últimos detalhes para a viagem à Rússia, Roberto Mancini assumia o postotécnico nacional,maio2018, com a missãoreconstruir a Itália.

Roberto Mancini assumiu o comando da da Itáliamaio2018, após fiasco da seleção — Foto: AFP

Os principais pontos no currículo eram o tricampeonato nacional pela InterMilão, entre 2006 e 2008, e a Premier League histórica pelo Manchester City20111/12. Um nome experiente, mas que não estava na melhor das fases (dirigia o Zenit), e nem era a primeira opção.

O início não foi fácil, com apenas uma vitória sobre a Arábia Saudita nos cinco primeiros jogos. Mas depois da derrota para Portugal,setembro2018, a seleção italiana não perdeu mais.

Desempenho geral da Itália com Roberto Mancini
Em 38 jogos até agora, foram 91 gols marcados e 17 sofridos. Não perde há 32 partidas
Fonte: Federação italianafutebol (FIGC)

A Azzurra fechou as eliminatórias para a Euro com 10 vitórias10 jogos, 37 gols pró e quatro contra. Primeira vez que se classificou para um grande torneio com 100%aproveitamento. Também alcançou as semifinais da Liga das Nações 2020/21. Começou a qualificatória para o Catar-2022 com três triunfos. Deu o troco na Espanha pela final da Euro-2012. E agora vai disputar a decisãodomingo.

— Agradeço aos jogadores. Eles acreditaram, desde o primeiro dia, que poderíamos produzir algo incrível. Agora nos falta mais um passo. Se chegamos até esse ponto, o mérito não é só meu, mastodos que acreditaram nisso. Os jogadores e todos que trabalharam conosco nos últimos três anos merecem o crédito, porque não foi fácil — afirmou Roberto Mancini, após superar a Espanha.

Quase ninguém acreditava, mas estamos na final".
— Roberto Mancini, após a classificação da Itália para a decisão da Eurocopa-2020

Os golsItália 1 (4)x(2) 1 Espanha, pela semifinal da Eurocopa

No jogo da classificaçãocima da Espanha, a Itália não passou dos 30%possebola. Sendo que o seu mínimo nas outras partidas da Eurocopa havia sido49%. O time teve só sete finalizações na semifinal, contra uma média anterior21. Mas sobreviveu.

Números que ajudam a entender, mas não explicam a totalidade do seguinte: a ItáliaMancini ataca como nunca, mas sabe se defender como sempre. É versátil, moderna, qualificada e unida.

Roberto Mancini comemora com os jogadores a classificação da Itália para a final da Euro-2020 — Foto: Reprodução / Twitter

O treinador soube mesclar a experiênciaBonnucci e Chiellini com a juventudeBarella e Chiesa. Roberto utilizou 35 atletas nesses maistrês anos. Dos 26 convocados para a Euro-2020, só não lançou Alex Meret, o terceiro goleiro. Demonstrou por diversas vezes a preocupação que temmanter todo o grupo motivado.

A 'famiglia' Mancini

Difícil não recorrer ao clichê para analisar esse grupo. Não só porque a ideiafamília ainda é uma instituição na Itália, mas também porque há a sensaçãoirmandade no dia a dia da delegação.

Reflexo do grauintimidade entre os integrantes da comissão técnica. Mancini se rodeouamigoslonga data, vários colegas dos temposjogador da Sampdoria. Os auxiliares Alberico Evani, Attilio Lombardo, Giulio Nuciari e Fausto Salsano estiveram ao seu lado nas décadas1980 e 1990. Participaramuma fase áurea, que teve como ápice o título do Campeonato Italiano1990/91 — primeiro e único na Serie A.

Comissão técnica da Itália comemora com Mancini a vaga na final da Eurocopa-2020 — Foto: AFP

Cada um desempenha hoje um papel na seleção. Evani e Lombardo colaboram com a parte tática. Um fala mais nos jogos, o outro nos treinos. Nuciari e Salsano focam na preparação do grupo. Todos eles aparentam ser bem próximos, e isso reverbera nos jogadores, com provocações e brincadeiras nos treinos e aquecimentospartidas.

Há também colegas antigos como Gabrieli Oriali, o coordenador da seleção, que acompanha o treinador desde o período na InterMilão, e o preparadorgoleiro Massimo Battara, que esteve com ele no City. Daniele De Rossi, campeão do mundo2006, é o "novato", admitido na comissão em março deste ano.

Mas a relação mais especial do técnico talvez seja com Gianluca Vialli, o chefe da delegação. Eles se consideram irmãos e são amigos há mais40 anos. Os dois se conheceram quando defendiam as seleçõesbase. Então Mancini convidou Vialli para jogar na Sampdoria,1984. Os dois formaram a dupla “Gêmeos do Gol” e conquistaram seis títulos juntos. Perderam a final da Liga dos Campeões1992, para o Barcelona.

Gianluca Vialli e Roberto Mancini se abraçam após a vitória da Itália sobre a Áustria, nas oitavas — Foto: Reuters

Vialli foi convidado por Mancini para fazer parte da delegação nacionalnovembro do ano passado, depoisterminar o tratamento contra um câncer no pâncreas que persistiu por 17 meses. Ele chegou a perder 16kgmeio à quimioterapia.

Hoje Vialli se encontra curado. O ex-atacante costuma interagir com Mancini durante os jogos e fala muito com os jogadores. Nos treinos, chama a atenção pelas caminhadastorno do gramado, sempre com fonesouvido, parecendo alheio ao que acontecevolta.

Apesar do talento que tinham e do sucesso obtidoclubes, principalmente na Sampdoria, Mancini e Vialli compartilham do sentimentofrustração quando se trataseleção italiana. O primeiro foi convocado para a Copa do Mundo1990,casa, mas não entroucampo. O segundo ficou fora por lesão.

Roberto Mancini poderia ter disputado outras duas Copas, mas teve conflitos com seus superiores. Na preparação para o Mundial1986, não obedeceu às regrasconcentraçãoEnzo Bearzotuma viagem aos Estados Unidos. Oito anos depois, entrourotacolisão com Arrigo Sacchi, por ter poucas oportunidadesamistosos. Ao todo, disputou 36 jogos pela equipe nacional e marcou quatro gols.

Ele já admitiu publicamente que a sensaçãofracasso como jogador da Itália alimenta a motivação como técnico. Emapresentação como o líder da Azzurra, Roberto Mancini declarou que tinha como objetivo levar a seleção "ao topo do mundo". Para conquistar a Eurocopa, o que não é pouco, falta apenas um passo.

Roberto Mancini busca como técnico a glória que não conseguiu como jogador da Itália — Foto: Getty Images